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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O MUNDO É UM MERCADO

VIAGENS E GASTRONOMIA

Ricardo Gurvitz

Você comeu seu arroz hoje? Assim dizem os chineses ao nosso conhecido BOM DIA.

Uma tal de Imperatriz Leopoldina

Muitas pessoas estão acostumadas a um tipo de viagem que não é o meu. Eu privilegio a pessoa em detrimento do local. Procuro o diferente, ao contraponto da grande visão do monumento turístico. Isto não quer dizer que no Brasil não exista este direcionamento, mas já existem muitos cronistas escrevendo sobre estes nossos tipos. Eu procuro encontrá-los lá fora.
Pode começar já na viagem de ida. Quando entrei no avião em São Paulo, para Frankfurt, havia escolhido o corredor, porque eu sou um mijão. Preferia a coluna de dois bancos, pois seria menos gente para pedir licença.
O meu companheiro de viagem que se apresentou, estava vestido com um uma roupa alemã ou austríaca. No momento, não saberia identificar. Mas que era bonita era. Não estava de lederhosen, a clássica calça curta de couro, e sim uma tradicional de tecido, mas a camisa bordada, impecável, e o casaco com os tradicionais bordados, isto eles chamam de trachten, outra das roupas típicas. Ele parecia que havia saído de corpo inteiro de uma lavanderia em contraposição a mim que já estava com o uniforme de viagem: camisa preta de manga comprida, cheia de bolsos com lapela, calça jeans e tênis. Um verdadeiro esculacho perto dele.
Apresentação apenas formal: Boa noite e com licença. Logo após os nomes e só. Durante o início do vôo, nenhuma palavra de parte a parte. Isto é comum. A janta e o filme, após, a tentativa de dormir naquelas cadeiras apertadíssimas e sem nenhum espaço para as pernas. Cada um se vira como pode.
Você tem em torno de doze horas para pensar na vida. E como são longas! Eu, como sou muito grande e pesado, e ainda por cima com problemas circulatórios, no mínimo, a cada duas horas dou um longo passeio pelo avião. Quando a tripulação solicita que as janelas sejam descobertas, e não abertas, porque nunca consegui abrir a janelinha de avião, é prenuncio que virá o café.
Amanheceu. Ele continuava impecável, eu estava amassado como se uma jamanta houvesse passado por cima de mim. Nesse momento, começamos uma conversa em inglês. Seu nome é Johann, sim com dois enes - fazia questão - e me chamava de Herr Ricardo - chamar pelo primeiro nome sem ter intimidade - jamais. Eu o chamava de Herr Johann, com dois enes.
Era um comprador de relógios antigos ou de altos valores, principalmente daqueles de pulsos. Vinha ao Brasil e Buenos Aires, duas vezes por ano, e já arriscava umas palavrinhas em português. Surpreendi-me com a descoberta de que comprava uma quantia enorme de relógios a cada viagem. Isto só pode ser sinal de que as coisas não estão tão boas assim, pois quem venderia verdadeiras obras de arte se estivesse em boas condições financeiras? Ainda mais que essas peças não deveriam estar em mãos de pessoas de pouco poder financeiro.
Odeio a pergunta “o que achas do meu país”, porque sempre a resposta será uma mentira piedosa. Se você não está gostando dirá ao menos: diferente. E se estiver, eu jamais saberei se está a falando a verdade. Então fiz a pergunta da maneira que a resposta possa mostrar algo. Um sentimento de observação. Olho para Johann, com dois enes e digo o que foi que mais te chamou a atenção por aqui? A resposta foi absolutamente surpreendente. Ele disse: havia visto inúmeras reportagens sobre o carnaval carioca e na viagem anterior, resolveu ficar no Rio, assistindo a ele com conforto e segurança.
Contratou o serviço de uma agência de turismo e ficou maravilhado. Isto não é de se estranhar. Agora, o comentário posterior foi impactante. Ele foi para a avenida torcendo pela Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense. E por toda a parte por onde andava, perguntava para os brasileiros quem era a Imperatriz e qual a sua origem. Ninguém, mas ninguém, sabia da história dela.
Como poderia tanta gente cantar e viver em uma “escola” sem saber a história daquela mulher e, pior, ficou sabendo que em outros lugares do país, havia cidades, bairros, e outras escolas de samba com o nome da austríaca famosa. Eu só sabia que ela era austríaca, ao menos isto.
Perguntou-me se não era bem discutida toda a atuação dela aqui, já que foi Imperatriz. Como é que o povo não tinha curiosidade de saber mais? Foi muito difícil responder.
Resolvi também aprender um pouco, Ela nasceu em 2 de janeiro de 1797, como arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena. Sua educação foi primorosa em oposição à maioria das princesas, que só aprendiam a bordar e costurar.
Depois da fuga de sua família das tropas de Napoleão acabou, por motivos político, casando-se por procuração com o Príncipe D. Pedro de Orleans e Bragança, que foi representado pelo Arquiduque Carlos. Veio para o Brasil com vinte anos. Como era uma iluminista, trouxe consigo: médicos, zoólogos, botânicos e músicos.
A mãe do D. Pedro era daquelas sogras jararaca, e ele um “galinha” como dizem hoje. Ela sofreu muito por aqui. Os atos de violência dele para com ela eram freqüentes. Mas nem por isto deixou de ter grande importância no nosso processo de independência de Portugal.
Foi uma das idealizadoras de nossa bandeira. Ela também assinou o Decreto de Independência em 2 de setembro de 1822. Morreu em 11 de Dezembro de 1826. Seu corpo permanece no Brasil até hoje. Depois desta resenha, passei a torcer pela Escola de Samba Beija-flor, porque assim não passaria por ignorante tão irrefutavelmente.


Essa é a minha opinião, depois de ter visitado cinqüenta países.

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