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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A PRIMAVERA E SUAS METAMORFOSES

Neiff Olavo Satte Alam

Como são curiosos os sons que marcam cada momento de nossa vida. Sons que identificam locais, estações do ano, efemérides e cada acontecimento importante. Nos verões passados, lá pelos anos sessenta ou um pouco antes, a chegada do verão era anunciada com canto de grilos e coaxar de rãs que transformavam o anoitecer em uma verdadeira orquestra com ritmo próprio que, com um bafo morno dos ventos da estação, embalava nosso sono. O bater de asas das andorinhas que chegavam em bandos numerosos e os sons emitidos pelas rolinhas durante o amanhecer só eram sufocados pela estridente gritaria das caturritas que revoavam esfomeadas até as plantações de milho.
O homem que vendia picolés com sua carrocinha feita em casa, assim como os picolés, utilizava uma buzina característica que, não sei como, parecia ser a utilizada por todos os “picoleteiros” do planeta e provocava uma algazarra na garotada e um desespero dos pais que tinham que desembolsar dinheiro para satisfazer a gula dos pequeninos.
Isto tudo era sinal de primavera em andamento e prenúncio do verão, melhor, das férias de verão. Detínhamo-nos em observar, nas árvores e jardins abundantes naquela época, insetos e pássaros que iam surgindo do nada, como se uma varinha mágica tivesse o poder de tocar em lagartas e ovos e dali tirarem estes animaizinhos em todo o esplendor da criação.
As lagartas, aprisionadas em seus casulos, lentamente se transformavam em borboletas que lentamente tiravam aquela roupagem feia e grosseira, desfaziam-se de fragmentos protetores de uma metamorfose prevista por sua genética milenar.
Todas estas lembranças e imagens me vieram a mente no momento em que vislumbrei um maravilhoso prédio do centro da cidade – Jóquei Clube de Pelotas, na rua Félix da Cunha , esquina Sete de Setembro. Inicialmente um prédio abandonado, cinzento e em processo de deterioração – uma lagarta, que foi envolvido por um tapume grosseiro, mas resistente e protetor que escondia a metamorfose que se fazia acontecer em seu interior – o casulo da crisálida, finalmente, com a eliminação do tapume, surge um prédio majestoso como deveria ser na época em que foi construído.
Assim, aos poucos, a cidade vai se reencontrando com o passado em uma metamorfose que deverá qualificar e melhorar neste prenúncio de primavera, concretamente uma época de transformações, mas firmemente alicerçada por um passado rico, encoberto, que aos poucos vai se livrando dos tapumes da baixa autoestima e alçando vôo para o futuro.