no dia 29 de junho de 2008
Ricardo Gurvitz viajante e gourmet
Você comeu seu arroz hoje? Assim dizem os chineses ao nosso conhecido BOM DIA.
BUREK – Um pastelão ou uma comunidade?
Sempre que viajo, a parte gastronômica tem de ser muito bem avaliada. Não sou o que chamam de gourmet que gosta de frescura. Fazer um prato em dez minutos e levar três horas decorando, isto não é comigo. Sei que se come primeiro com os olhos. Todavia, gosto da comida honesta. Aquela que as pessoas comem no dia-a-dia. Já escreveu um grande estudioso de gastronomia: ninguém vai a um restaurante para comer, e sim, para ter emoções. Alimentar-se se faz em casa. Concordo plenamente com ele.
Nas viagens, fujo dos restaurantes de grife. Nem sempre a comida dos grandes “restoranteurs” é gostosa e farta, principalmente no quesito farta. São, na verdade, grandes esculturas e pinturas para serem admiradas e não para serem comidas. No fundo, eles são uns pães-duros; se você ficar com fome, vai acabar pedindo mais coisas e pagando mais.
Se isto não fosse verdade, eu não escutaria tão freqüentemente as expressões: tenho saudade da comida de casa, do feijãozinho da mãe, da lasanha da sogra. Chega-se a ponto de ter saudades do lanche que se come no trailer há muitos anos. Sem falar no churrasquinho de picanha do domingo.
Cheguei em um domingo e no meu primeiro passeio pelas ruas de Kiev-Ucrânia, notei que havia uma disputa bem feroz entre os lanches tradicionais de rua, estilo hot-dog e X-burger (que horror), porque não cachorro quente e bauru, e um pastelão, chamado Burek, feito com uma massa bem folheada que chamamos de filo. Essa é uma massa fina, delicada e muito usada para produzir os famosos Rolinhos Primavera, da cozinha chinesa. Sabe-se que os chineses, aquilo que fazem, fazem-no com muita paciência.
Dentro deste pastelão, aparecem os mais tradicionais recheios. É quase como o nosso tradicional pastelão de camarão, vegetal ou queijo. A origem do burek é na cozinha turca, que influenciou bastante o leste europeu
Os otomanos chamam esta massa de yufka. A palavra yufka tem vários significados em turco, mas o principal, diz respeito à parte alimentícia. Eles inteligentemente também podem intercalar fatias de manteiga entre as folhas e conseguem um folheamento muito aproximado do tradicional que estamos acostumados e é chamado de burek palácio. Na Turquia, no entremeio das camadas, eles a recheiam com queijo feta, batatas, salsa, carne picada ou salsichas. Lógico que não tudo de uma vez só. Ainda se pode colocar legumes, ervas e especiarias, também usam espinafre, urtiga, berinjela.
Existem também alguns bureks doces, com açúcar, canela e nata. Na Armênia, quase sempre são recheados com queijo, podendo ser também com espinafre e carne; São extremamente temperados. Na antiga Iugoslávia, quase são consideradas como uma torta com carne. Temos também uma empadinha chamada ‘Zeljanica’, recheada com ovos e espinafre e a “Sirnica”, recheada com queijo e iogurte. Uma gostosura!
Tão perto e tão longe! Às vezes, poucos quilômetros separam esses lugares e também separam um pouco a maneira de apresentar o burek. Na Sérvia e Macedônia, ao chegar lá, já sabia que iria encontrar o burek com a massa mais grossa, e um pouco mais gordurosa. Essa palavra gordurosa, na maioria das massas folheadas, não pode ser descartada, visto que o que produz o folheamento é a gordura. Então, querer massa folheada sem gordura é impraticável.
Procurei também e aprovei o “prazan Burek” (burek vazio) sem nada, só uma massinha. Na Bósnia e Herzegovina só se chama de Burek, aquele que é recheado com carne. À medida que se muda o recheio, muda-se também o nome:”krompirusa”com batatas; “zeljanica com espinafre e queijo. Os albaneses são bem mais poéticos e chamam a esse prato de “Byrek shpiptar me perine” (torta de vegetais albanesa). Pode também ser prato principal recheado de carne, queijo e abóbora - o que produz um sabor adocicado. Os búlgaros adoram a pastelaria e chamam o burek de byurek (cirílico: бюрек), e adicionam ovos. Esta combinação eu ainda não havia provado e adorei. Na Rússia, recebe o nome de “cheburek’, É a mesma massa recheada com carneiro, cebola e especiarias e frito, não assado. Sendo um similar do nosso pastel. Na Grécia, é encontrado sob o nome de bouréki ou bourekáki, o segundo nome é o diminutivo. Em grego: buréki -μπουρέκι ou bourekaki -μπουρεκάκι . Eu coloco, em algumas situações, o nome do que se gostaria de provar, na língua original, para que se possa sentir a dificuldade em pedi-lo em um bar qualquer.
Como podemos ver, esse alimento se espalhou pela região e pelo mundo. Talvez o comamos em vários lugares como um alimento local e a suas origens estão bem distantes. Saliento, que também em Israel, as Burekas,(olha aí elas de novo) e são muito apreciadas. Na Tunísia, levam o nome de Brik, quase sempre preparadas fritas.
Sei que pode parecer que estou enfeitando a jogada, mas em terras onde o turismo não se implanta, existe um quase terror na chegada de um estrangeiro. Os atendentes de bares, pequenos restaurantes, confeitarias e padarias normalmente conhecem os seus clientes. Aquele E.T. que entrou, não fala uma palavra que ele entenda e ainda se manifesta por gestos, no fundo e o raso o deixa apavorado.
Por outro lado, que sacanagem: será que ele não entendeu que eu quero experimentar aquela massinha ali, a tortinha?. P.Q.P, o meu dedo está apontando, e ele se faz de bobo. M....., o que eu tenho que fazer para que ele me entenda? Lá no meu país, qualquer bobalhão entenderia. Esta é guerra das nacionalidades.
NA BOCA DO FORNO: Estou muito feliz com a lei de tolerância zero em relação ao álcool na direção. Aconteceu tudo o que havia pedido na crônica “O bêbado de Kiev”. Agora é só fiscalizar nas portas de bares, restaurantes, treilers e em qualquer festa. Coisa de primeiro mundo. Aleluia!
Essa é a minha opinião, depois de ter visitado cinqüenta países.
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