Francisco de Paula Bermúdez Guedes
Conforme a teoria instintual, desenvolvida pelo freudismo, a vida se desenrola entre duas polaridades interativas: o instinto de vida (eros), construtivo e o instinto de morte (tanatos), destrutivo.
Publicado 28/08
Getúlio Dorneles Vargas (1882-!954) foi o maior estadista Latino Americano no século XX e um dos maiores do mundo.
Na qualidade de líder civil da revolução de 1930, que afastou do poder o Presidente Washington Luís e Júlio Prestes, concretizou no Rio Grande do Sul notável feito.
Federalistas (maragatos) e republicanos defrontaram-se em sangrenta guerra civil nos anos de 1893 a 1895. Em 1923 adeptos de Assis Brasil opuseram-se ao ditador Borges de Medeiros, deflagrando nova revolução, com duração de nove meses.
GetúlioVargas, com grande habilidade política, obteve a união de federalistas e republicanos, de asissistas e borgistas, ferrenhos opositores, no esforço revolucionário para depor a República Velha, inaugurando período de grande modernidade, transformando, radicalmente, a vida política e social do Brasil.
Getúlio Vargas permanece no poder, de 1930 até 1945. Em 1934, elaborou-se nova Constituição Republicana, sendo Getúlio Vargas eleito ,pelo Congresso Nacional, Presidente da República, com mandato até 1938.
Em 1937, consolida-se o poder de Getúlio Vargas, sob a égide de Nova Constituição ,inaugurando-se o período conhecido como o Estado Novo. Após o mandato do General Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), Getúlio Vargas, em eleições livres, foi eleito Presidente do Brasil, sob o pálio da Constituição de 1946.
Tais dados, apenas descritivos e não analíticos, oferecidos em resumo, são do conhecimento geral.
O que tem provocado intensas especulações é o evento trágico do suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, com a idade de 72 anos, em pleno vigor físico e intelectual.
Alguns suscitam teorias conspiratórias: Getulio não se suicidara, mas fora vítima de homicídio. Outros levantam a hipótese de ato histórico messiânico: o auto sacrifício em prol do povo, que tanto amara. A famosa Carta Testamento parece apontar neste sentido, segundo muitos. Há os que se indagam sobre a personalidade do “Pai do Povo”, como era denominado Getúlio.
O que é o suicídio?
Karl Menninger ( 1893-1990), notável psicanalista, escreveu obra clássica sobre o suicídio: Man against Himself, O Homem contra si Próprio, onde analisa razões e diferentes formas de suicídio. A conclusão a que se chega da leitura da obra é que o suicida, às vezes, mata algo existente em si e este algo pode ser o sentimento de imenso vazio.
As racionalizações são frequentes e atribuem ao suicídio causas objetivas, como, dificuldades financeiras, desencantos amorosos, decepções etc...Nas escolas, ainda, ensinam, piedosamente, que Santos Dumont, o criador da aviação, suicidara-se pela angústia de ver sua criação, o avião, usado com máquina de guerra. Pouco se atenta para a personalidade interessante, altamente complexa, com laivos de genialidade do brasileiro, considerado o Pai da Aviação.
Em geral, o suicídio é a culminação de fortíssimo estado depressivo, este não percebido, na maioria dos casos, por familiares e pessoas achegadas. Pode que tenha traço genético; não é incomum mais de um suicida na história das famílias. Aliás, o filho de Getúlio Vargas, Manoel (Maneco Vargas), também cometeu suicídio, anos após o do seu pai. Contudo, o traço genético não explica suficientemente as causas profundas do suicídio: um mistério.
O que espanta é a estatística; o percentual de suicidas, numa sociedade, não sofre variações relativas, mantendo-se quase o mesmo. Acentua-se a estatística, em certos países, em determinada classe de pessoas, por exemplo, o suicídio de crianças e adolescentes no Japão.
Conforme a teoria instintual, desenvolvida pelo freudismo, a vida se desenrola entre duas polaridades interativas: o instinto de vida (eros), construtivo e o instinto de morte (tanatos), destrutivo.
Em generalização, sempre perigosa, pode que em algumas pessoas e em certos momentos de suas vidas, o aspecto destrutivo (no caso do suicídio, auto destrutivo) prevaleça.
Há formas reflexas de suicídio, em geral, pouco compreendidas e mesmo refutadas, como a ingestão excessiva de álcool (alcoolismo), direção em alta velocidade, exposição desnecessária a perigos etc... Na criminologia é conhecida a tese da vítima, em busca do seu algoz, como o caso do homem que tenta seduzir a mulher de alguém, reconhecidamente violento, excessivamente ciumento e portador habitual de arma.
Essas breves reflexões parecem baralhar o entendimento radical do que pode levar uma pessoa ao suicídio.
No caso de Getúlio Vargas, o suicídio apresenta-se como um enigma de dificílimo desvendamento. O grande político era homem extremamente solitário; embora comunicativo, nunca deixava revelar o que realmente pensava. Aparentemente feliz, largo e simpático sorriso, amante de bons chistes, cercado de familiares, austero na conduta...
Suas realizações e trajetória política seriam bastantes para que se sentisse plenamente realizado e eternizado na história do Brasil.
Por que, então, o suicídio?
Arrisco algumas hipóteses, mais levado pela estima familiar pelo grande estadista e no intento de conciliar em mim as emoções provocadas pelo evento, revividas em 24 de agosto deste ano. Menino de 13 anos em 24 de agosto de 1954, chegado em casa vi, por vez primeira e única, meu pai chorar, abraçado em mim. Os ancestrais de meu pai eram de São Borja e havia laços fortes de amizade com a família Vargas. Meu pai, nascido em 1896, era da geração em que persistente a consigna gauchesca: homem macho, não chora.
Pode que as grandes ambições do político tenham ficado incompletas, como ocorre, quase sempre, quando altos níveis de aspirações resultam frustrados. Getúlio internalizou o Brasil e a ele dedicou grandes projetos.
Enfrentando a dureza de nova deposição da presidência, fruto de forte campanha difamatória, capitaneada por Carlos Lacerda e outros, viu-se frente à derrocada de seus intentos. Envelhecido, sentindo o isolamento, o homem triste, reservado e solitário pronunciou-se inclemente, levando-o a forte depressão.
Um dos mais dolorosos sentimentos de perdas revela-se no abandono, real ou fantasiado; é possível cogitar que esse sentimento tenha sido vivenciado por Getúlio, nos últimos meses de sua vida.
Pode que a morte auto provocada tenha sido o repto aos que o injuriavam, a única arma que poderia derrotá-los, o desagravo aos que o abandonaram. Assinalam alguns psicólogos que o ato suicida poder ter a finalidade de provocar culpas naqueles que destrataram,perseguiram, traíram ou privaram de amor, em vida, o suicida.
Talvez, psicólogos possuam interpretações mais acuradas do gesto estremo do grande Presidente.
As especulações sobre o suicídio de Getúlio Dorneles Vargas, ainda, persistirão.
Em 24.08.2012, transcorrido 58 anos da morte do estadista, meu pensamento voltou-se a ele. Um aristocrata rural, advogado e político, tomado de autêntico afeto pelo povo e que, com as rédeas do poder, criou um dos momentos de maior modernidade no Brasil, abrindo espaços de realizações e prosperidade para a classe dos despossuídos.
Fonte: Francisco de Paula Bermúdez Guedes