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sábado, 31 de dezembro de 2011

A ERA DA MARIA FUMAÇA




                                  Neiff Satte Alam

     Fumegantes, espalhando fuligem e vapor d’água para todos os lados e com um ruído típico de atrito de ferro contra ferro misturado ao badalar de um sino, poderosas locomotivas faziam o movimento da Estação Férrea de Vila Olimpo. Com uma inscrição prateada em sua lateral que a todos orgulhava: VFRGS – Viação Férrea do Rio Grande do Sul, aqueles monstros negros puxavam dezenas de vagões, desde vagões de carga de bois e de combustível até vagões de passageiros com seu carro Buffet , um verdadeiro restaurante sobre trilhos.
     A chegada do trem passageiro das treze horas, vindo de Pelotas, era uma festa para a pequena comunidade. Pastéis, cestinhas de butiá e araçá eram vendidas aos passageiros. A criançada ficava pressionando os viajantes para carregarem suas malas até o Hotel Familiar que ficava do outro lado da Praça Piratini, alguns, com suas caixas de engraxate, poliam sapatos e botas.
     Carroças e carretas retiravam cargas de farinha de trigo para a Padaria Esperança e mercadoria para o Armazém Olimpo e outros da localidade.
     Pouco antes da chegada do trem, em um outro local, pacientemente e cautelosamente,  a Agente dos Correios de Vila Olimpo, Ata Feijó, fechava o malote de correspondências em um ambiente com forte cheiro de goma arábica de fabricação caseira. Malote fechado, porta trancada onde se via um aviso “NÃO BATA, ATA”, a Agente do Correio, utilizando-se de um carrinho de mão e da colaboração de algum guri da vizinhança, dirigia-se à Estação Férrea para colocar no trem a correspondência e retirar a que tinha chegado. Uma das maiores festas era a chegada das cartas, jornais e outras encomendas, algumas vindas do distante Líbano para a alegria da enorme legião de libaneses que havia fixado residência em Vila Olimpo e ali se instalando em um promissor comércio.
     Enquanto a locomotiva “bebia” água, os passageiros que sairiam do lugarejo compravam suas passagens que se constituíam em um cartão pequeno de duas cores e que seria perfurado pelo “chefe de trem” logo após a saída.
     Três toques com diferenças de minutos de um sino de origem francesa pelo Agente da Estação, depois que o telegrafista assegurava-se que não viria nem uma outra composição em sentido contrário, indicavam o momento da partida.
     O  trem já ia longe e ainda se percebia a sua passagem pela presença de brasas entre os trilhos e o movimento de vagonetas com “tucos” que se apressavam em deslocar-se para locais onde houvesse algum problema nos trilhos ou nos dormentes.
     Aos poucos a Estação e praça ficavam vazias. O único movimento que lembrava a chegada do trem era a fila na frente do correio.
     Os sons dos trens eram, então, a música que identificava a vida naquela vila ferroviária...então aguardávamos o trem das 20h!! 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Papai Noel existe!





Neiff Satte Alam

É dura esta vida de Papai Noel. Início de inverno, uma neve gostosa, a lareira funcionando e estalando com esta lenha ardendo e tenho que subir neste trenó ridículo, com renas que não estão nem um pouquinho satisfeitas de terem que sair voando por este mundo a fora.
Querem saber mais de meus problemas?
Bem, os meus assistentes para o Brasil e o resto da América do Sul entraram em greve, dizem que, se não receberem hora extra em dobro para trabalhar na noite de Natal, não movimentam um dedo para a distribuição de presentes; tem ainda a insalubridade e periculosidade, pois sobrevoar a área dominada pelas FARC é um risco permanente, somente no ano passado cinco trenós foram abatidos por serem confundidos com aeronaves do governo; ainda há o enorme risco de descerem chaminés estreitas, alguns assessores ficaram trancados por vários meses em chaminés de lareiras que nem são utilizadas, pois, em razão do clima de algumas regiões do Brasil e de outros países da América do Sul, servem apenas como enfeite; um trenó desceu equivocadamente no Estádio do Morumbi, em São Paulo, a roubalheira num jogo era tamanha que roubaram as renas e todos os presentes e o seguro não foi pago até hoje.
Não adianta reclamar, tenho mesmo  que por esta roupa vermelha com pele branca e este gorro bicudo com um pompom na  ponta, ensaiar aquela risada característica – HO HO HO, atrelar as renas especiais e sair voando por aí.
A chegada no Brasil foi um problema, pois a temperatura de mais de 35 graus me desidratou e tive que ficar um dia inteiro por conta do SUS em uma cidadezinha do Piauí e as renas foram apreendidas pelo IBAMA, até que provasse que Papai Noel existia e que não era São Nicolau, tive ameaça de prisão, mas não me livrei de um pagamento efetivo de multa por maltrato de animais e por contrabando de brinquedos.
Dois dias depois fui interceptado pelo pessoal do Conselho da Criança e do Adolescente e tive que dar explicações sobre a discriminação na hora de dar os presentes, pois algumas crianças recebem presentes mais caros, outras mais baratos e muitas sequer recebem. Fui obrigado a dar uma aula de neoliberalismo, globalização, capitalismo, socialismo, escotismo, política e até de ufologia, pois como explicar minhas aparições simultâneas em milhares de lares em uma única noite? Claro que isto não expliquei, faz parte do segredo profissional do Papai Noel.
De qualquer maneira, pretendo cumprir meu papel, mesmo que muitos pais fiquem dizendo às criancinhas que não existo. Se eu não existisse, como as lojas venderiam tantos brinquedos? Como existiriam tantos imitadores (horríveis, diga-se de passagem) espalhados pelo mundo? Papai Noel existe, sim! Alguns são bem aquinhoados, muitos assalariados, muitos desempregados, mas existe. Não usam roupa vermelha com peles brancas, não possuem trenó com renas, não entram pelas chaminés das casas, mas, como o Papai Noel desta história, têm enormes dificuldades para finalmente colocarem os presentes possíveis junto a cama dos pequeninos para que a ilusão do Natal não se perca, mas que fique gravada como um grande amor dos pais pelos filhos, mesmo tendo que enfrentar as maiores adversidades. Este foi o grande segredo que o Papai Noel não quis revelar: como chegar a todos os lares na mesma noite? Realmente Papai Noel existe, você se encontra com ele todos os dias do ano!


domingo, 11 de dezembro de 2011

SUSTENTABILIDADE POLÍTCA




              Neiff Satte Alam


O tempo, sempre o tempo. Uma dimensão que nos permite livre trânsito entre diferentes realidades e, entre elas, curtos espaços de escolhas que interferirão as futuras e imprevisíveis ações que transformarão ou confirmarão expectativas.
     Como o tempo de cada coisa, viva ou não, é diferente e como as variações e durabilidades não obedecem as mesmas regras, mesma realidade, podemos observar várias linhas de tempo em um mesmo momento, até mesmo pensamentos propostos em diferentes épocas, por pessoas que não mais existem.
     Podemos estar frente a uma obra de Picasso ou de Da Vinci; lendo um livro escrito por Dumas ou por Érico Veríssimo; vendo um filme de Chaplin ou escutando Choppin, todos os tempos em um só tempo, o de hoje, de agora e desta realidade.
     Assim também ocorre com a política, pois as idéias acumuladas de todos os que pensaram cientificamente ou que exerceram esta ação política, têm influência neste tempo de agora, nossa realidade, e profunda interferência na inimaginável realidade futura.
     A soma do conhecimento construído no passado com o conhecimento ora desenvolvido é o que resultará uma melhor ou pior expectativa futura, isto é, nas realidades que ainda estão por vir, portanto o que fizermos politicamente hoje, as alternativas que escolheremos hoje, serão os caminhos que podemos, por opção, trilhar.
     Esta é a sustentabilidade mais importante, pois deverá interferir em todas as outras, sejam ambientais, sociais ou econômicas. Os fundamentos que aprofundarmos, o pensamento filosófico que escolhermos é que definirá a sociedade que teremos, o mundo em que viveremos nos próximos anos será nosso legado para as próximas gerações.
     Portanto, o mais correto politicamente é colocarmos as pessoas certas nos lugares certos, sem amadorismo no nosso limitado espaço doméstico e que equivocadamente, imaginamos poder solucionar com “remédios caseiros”.
     Urge que nos apropriemos da realidade e do conhecimento então existente para encaminharmos o futuro com segurança, sempre entendendo que esta dimensão que chamamos tempo poderá estar a nosso favor. Principalmente se utilizarmos todo o conhecimento acumulado pelos que nos antecederam como parte da realidade.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

RESUMO DE UMA HISTÓRIA



 Antônio Saraiva
Este resumo pertence ao livro “Joaquim Antônio Saraiva: Um Bravo Republicano”, Ed. UFPEL, Pelotas, 2006 .
No ir e vir dos arados puxados por juntas de bois aos poucos aquelas coxilhas iam mudando de cor, do amarelo e verde que mais predominava até então, agora se transformava em preto que era o tom da terra daquela região montanhosa. De longe se via e ouvia os lavradores que gritavam com seus animais para andarem mais depressa e lavrarem o máximo, enquanto tinha umidade na terra, da boa chuva que havia caído naqueles últimos dias.
Quanto mais rápido os animais andassem, mais a leiva de terra que era jogada pela pá do arado deitava, enterrando as flores de malmequer.No outro dia bem cedo alguém com uma grade puxada por uma parelha de cavalos gradeava a terra que fora lavrada, aproveitando o tempo antes que a mesma secasse.Meses de primavera, meses da flor amarela como eram conhecidos naquela região,mas os agricultores entretidos em preparar as lavouras para o milho e o feijão até esqueciam-se da falta do dinheiro que era comum nessa época do ano.
Era uma verdadeira paisagem para quem olhasse à distancia aquele cenário,começava no fim do mês de agosto e se estendia até os meses de novembro e dezembro as preparações das lavouras para esses plantios. Era uma época de muita fartura naqueles anos da década de sessenta, os agricultores não precisavam usar adubo ou pesticidas, as terras eram fortes e as plantações não eram atacadas por nenhuma praga.Uma estrada de lindeiros cruzava por entre as pequenas propriedades daqueles colonos,a maioria descendentes de portugueses e açorianos.
Seus antepassados tinham vindo dos países de origem no ano de 1737, desembarcaram de um navio no porto de Rio Grande e, ficaram por algum tempo morando nos arredores daquela cidadezinha marítima até que no ano de 1800 foi liberado um novo distrito que recebeu o nome de Canguçu, derivado do Tupi Guarani Canguçu, nome de uma onça pintada da cabeça grande que habitava nessa região de serras e montanhas.
Neste ano de 1800 estes filhos de Portugueses e Açorianos foram enviados ao recém li- berado distrito, para desbravarem essas terras virgens. Era uma região habitada por índios, Tapes e Tapuias, guaranizados e subordinados aos guaranis. Parte desse imenso então distrito formada por serras e montanhas, recebeu o nome de Serra dos Tapes em memória da tribo que ali habitava. Estes índios como tantos outros que já ouvimos falar preferiram lutar até a morte, do que deixar se escravizar. Os soldados imperiais com o respaldo destes portugueses e açorianos que receberiam as terras, varreram com quase todos os nativos machos, poupando as índias, com as quais muitos deles constituíram famílias.
Ouvem-se muitos relatos de índias que foram pegas a cachorro, para depois tornarem-se esposas de alguns destes invasores.
É uma história de muitas lutas e selvagerias, era a lei do mais forte, uma terra de ninguém, com um pouco de astúcia e coragem os mais espertos levavam vantagens recebendo maiores quantidade de terras e salários, atuando como coronéis de determinadas regiões..
Não é difícil imaginar um cenário assim, onde não existia lei, onde tinham que contar só com os fios de bigodes daquele povo quase selvagem, sem escolaridade, a instrução que recebiam era dos pais e o principal mandamento era que “desaforo não se leva pra casa”, o que podia se esperar de um povo assim.
Várias famílias foram enviadas para este novo distrito como desbravadores, recebendo uma sesmaria como recompensa..
Algumas destas famílias podem ser identificadas nos dias de hoje, pelos seus sobrenomes que deram nomes a zona onde habitaram, entre os quais temos o Passo do Saraiva, Coxilha dos Piegas e, Cerro dos Cunhas situados na Quarta Zona de Canguçu, isto é apenas um exemplo, mas se procurarmos vamos encontrar mais outras localidades com o nome de família.
Era um povo determinado com um objetivo em mente, fazer aquelas terras virgens produzirem, criando gado, cavalos, ovelhas e porcos; Plantando trigo, milho, feijão, etc.
Mas seria a pecuária a base da economia daqueles pioneiros, na vizinha cidade de Pelotas à pouco mais de 60 quilômetros o comercio do charque começava a se expandir no estado, com um retorno financeiro compensatório.
O charque produzido nas charqueadas situadas nas margens dos rios da cidade de Pelotas abastecia grandes províncias do país, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e nordeste, esta carne seca era usada na alimentação dos escravos. Com o passar dos anos, países vizinhos como o Uruguai e Argentina que também eram grandes produtores do charque tornaram-se fortes concorrentes pelo preço e qualidade do produto.
Nestes anos já de 1830 o governo do império nada fez para resolver a questão, motivo pelo qual que em 1835 uma parte do povo gaúcho revoltado com a situação levantaram-se em guerra contra o império implantando seu próprio governo, iniciando uma guerra que durou 10 anos, a Revolução Farroupilha.
Nesta guerra os gaúchos se separaram em dois grupos, os que eram a favor do império e os que eram contra, estes últimos eram os Farrapos. O novo distrito de Canguçu que ainda pertencia ao município de Piratini era um reduto Farroupilha em que a família Saraiva fazia parte. Entre os imperialistas estavam os Piegas e os Cunhas que eram famílias proprietárias de grande extensão de terra e gado, os soldados imperiais costumavam a acampar nestes campos com a autorização dos proprietários.
No final dos dez anos de combates, Duque de Caxias foi enviado pelo governo imperial como pacificador, conseguindo um acordo que os Farrapos assinaram em 1”de março de 1845, ficando sob o domínio do império, foi uma época de grandes perseguições contra os Farroupilhas por parte dessas famílias gaúchas que apoiavam o Imperador, fala-se em quarenta mil famílias de Farrapos que tenham debandado para o Uruguai e, entre essas famílias estavam os Saraivas.
Quarenta e oito anos depois o sonho desses gaúchos que defendiam a república se realizaria em todo o pais sem nenhuma resistência do Imperador D Pedro II, o império havia falido, mas agora teria que ser decidido qual o sistema de república regeria a nação, era um assunto pra os gaúchos resolverem e, em 1893 os gaúchos que defendiam uma república parlamentarista pegaram em armas novamente travando uma revolução de 2 anos que ceifou a vida de milhares de pessoas.
Nesta época destes acontecimentos muitos gaúchos que pertenciam as famílias dos Farrapos haviam retornado do Uruguai. Agora estavam envolvidos em um episódio diferente, o motivo não era mais lutar contra o império para estabelecer a República, mas qual o sistema de República, presidencialismo ou parlamentarismo, os Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto que foram os primeiros presidentes da República eram presidencialistas, aqui no estado o Dr. Júlio de Castilho foi empossado em 1892, defendendo o presidencialismo com unhas e dentes.
Entre os milhares de famílias “farrapas” que haviam debandado para o Uruguai perseguidos pelos imperialistas após á revolução Farroupilha, agora já haviam se multiplicado, pois já passara quase meio século, aqueles que eram apenas um rapazinho, agora tinham filhos e netos.
Manuel Saraiva do Amaral (neto) que nascera em 1836 na quarta zona de Canguçu, (Passo do saraiva) e sido registrado no cartório do Cerrito distrito que na época também pertencia a Piratini, foi um dos que retornou do Uruguai com a sua esposa, filhos e netos ainda pequenos.Manuel comprou uma fração de terras no primeiro distrito de Canguçu, Coxilha dos Campos e por ali ficou morando com a família.
Nos últimos anos do império houve muitas perseguições políticas e, os que defendiam o imperialismo não estavam contentes com a situação, pois sabiam que perderiam muitas regalias com a caída do império, tinham que a qualquer custo intimidar os republicanos que estavam crescendo cada vez mais com o retorno dos que voltavam do Uruguai, por isso houve muitas mortes e vandalismos que ficavam impunes.
Entre os perseguidos e jurados de morte estava Manuel Saraiva do Amaral que era neto do fundador do Passo do Saraiva e de quem herdara o nome, os perseguidores eram gente graúda, pois Manuel foi até as autoridades da vila registrar uma queixa dessa ameaça contra a sua vida e, as autoridades deram-lhe garantias dizendo-lhe, podes ficar tranquilo que nada de ruim vai lhe acontecer. Como estas autoridades poderiam dar esta garantia sem nenhuma ação policial, a menos que os criminosos fossem gente do meio deles.
Manuel vendeu um gado e precisou ir até Pelotas, cidade vizinha, ficava localizada a uns 100 quilômetros de distancia, iria depositar o dinheiro da venda de um gado no banco desta cidade, levou dois companheiros como prevenção, mas não foi o suficiente, porque num paradouro de carreteiros a uns 40 quilômetros antes de chegar na cidade, foram os três mortos em uma emboscada feita por uma quadrilha de uns 5 ou 6 homens bem armados.
As famílias das vitimas procuraram por justiça, mas nada foi feito a respeito, então o filho mais velho de Manuel, Joaquim Antônio fez a justiça com suas próprias mãos, vingando a morte do pai e tomando partido na revolução, lutando pelo o governo Júlio de Castilho que havia sido empossado legalmente.
Relata-se que muitos lutaram nesta revolução por motivos de vingança, foi uma das revoluções mais sangrentas das Américas, em dois anos ceifou a vida de mais de dez mil pessoas.

sábado, 12 de novembro de 2011

“Caim”, de Saramago

Neiff Satte Alam



Brincando com o tempo e colocando Caim no lombo de um jegue, Saramago faz uma interessante leitura do Velho Testamento. De fratricida a herói, como se fosse uma releitura das relações entre Dr.Frankenstein e sua criatura, Caim circula pelo tempo desafiando o Criador.

Imortal e atemporal, ele e seu jegue, avançam e recuam no tempo sempre dentro dos principais acontecimentos registrados no Velho Testamento. Foi ele, Caim, que na cena em que Abraão vai sacrificar seu filho Isaac a pedido de Deus, interferiu para que tal crime não ocorresse: “.... Então por que quiseste cortar-me a garganta como se eu fosse um borrego, perguntou Isaac, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-te o braço, estarias agora a levar um cadáver para casa.” Esta é uma pequena demonstração da aventura literária sobre um Caim aventureiro, nem bom, nem mau, apenas um emissário imortal que desafiou o Criador a quem culpa pela sua sorte, pois sempre entendeu Caim, segundo Saramago, que desde a ruptura de seus pais, Adão e Eva, com Deus até todos os desastres que atingiram a humanidade, a responsabilidade primeira seria Dele, que tudo pode!

O livro tem momentos de humor refinado e transcrição de cenas eróticas onde Caim é sempre o ator principal.

Como as viagens no tempo não eram somente em um sentido, em vários momentos o nosso personagem se viu no passado de um futuro já visitado. Assistiu a queda das muralhas de Jericó; construção e destruição da Torre de Babel, finalmente encontra-se com Noé e sua família, auxilia na construção da arca, assim como vários anjos. As relações entre Caim e os membros da família de Noé se constitui em uma trama de sexo e assassinatos que nos permite interpretar estas últimas cenas como uma transposição da realidade contemporânea para todo o caos imaginado pelo autor. Caim, o da história de Saramago, é a própria humanidade. Finalmente destrói toda a obra do Senhor Deus, pois, matando Noé e toda sua família, fica só e discutindo com o Criador:”...Depois Caim disse, agora já podes matar-me. Não posso, palavra de Deus não volta atrás, morrerás da tua natural morte na terra abandonada e as aves de rapina virão devorar-te a carne.” “...Sim, disse Caim, depois de Tu primeiro me haveres devorado o espírito.” A resposta de Deus não chegou a ser ouvida, também a fala seguinte de Caim se perdeu, o mais natural é que tenham argumentado um contra o outro uma vez e muitas, a única coisa que se sabe de ciência certa é que continuaram a discutir e que a discutir estão ainda...”

Querem saber mais desta aventura literária e, mais importante, interpretá-la ao sabor de sua vontade, como fez Saramago com o Velho Testamento? Leiam o livro e continuem a discussão, sem medo e sem tempo...

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A HARMONIA DA PRAÇA

 
NEIFF SATTE ALAM

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...
Olavo Bilac, estrofe do soneto “Como a floresta secular”

            Em cem anos um ecossistema artificial e com finalidade de lazer poderá adquirir personalidade e se impor sobre idéias simplistas de harmonia projetada por olhares reducionistas e que, por este motivo, só enxergam por prismas lineares e não relacionais.
            Após cem anos um ecossistema artificial poderá ter sua estrutura, auto-organizada com propósitos de uma busca natural de equilíbrio, desestabilizada em razão de motivos de inexplicável incoerência.
            Esta é nossa praça Cel. Pedro Osório.
As árvores quando foram ali plantadas seriam obviamente frondosas e disputariam espaço com as suas vizinhas na medida em que fossem crescendo, aprofundando raízes, emitindo galhos, folhas e flores. As raízes destas árvores com certeza cresceriam, atingiriam limites imagináveis por quem as plantou. Aqueles que realizaram os plantios iniciais gostariam de viver o suficiente para poderem sentar a sombra destas árvores e observarem as mais diferentes espécies ali plantadas e que representam um pedaço de cada canto de nosso país, de nosso continente e até de outros continentes.
A fonte colocada ao centro deveria concorrer, e o faz, com as árvores que se ergueriam majestosas completando a harmonia daquele ambiente.
Após este plantio inicial, estudado e programado, outras árvores, por outros motivos e em razão de um mobilismo cultural natural, foram plantadas. Não estava, por exemplo, nos planos iniciais o plantio de uma muda de Pau-Brasil pelo poeta Olavo Bilac, mas nem por isto deveremos tirar esta árvore por não fazer parte do planejamento original da praça. Assim como esta árvore, outras foram plantadas pelos mais diferentes motivos que talvez ninguém mais recorde, mas estas árvores conseguem, pela sua presença, anonimamente dar vida a estes atos do passado.
A era da moto serra parece ter obscurecido a capacidade de ver a harmonia de um conjunto tão fantástico de flora e que abriga um número não menos fantástico de fauna. Não será uma mera conceituação de praça e de parque que servirá de argumento para derrubada de árvores na Praça Cel. Pedro Osório, mas, se este for o caso, que se mude para Parque, pois qualquer decreto legislativo poderá resolver isto, claro, sem considerar que está argumentação não salvou da moto serra inúmeras árvores no Parque Dom Antônio Zattera (ex- Júlio de Castilhos).
Talvez, em pouco tempo, ninguém mais lembre disto. Talvez nada disto escrito acima tenha relevância perto dos outros problemas que nos afligem, mas, se não soubermos enfrentar estes pequenos problemas de nossa cidade, como poderemos enfrentar os problemas maiores? Se não nos indignarmos com estas pequenas coisas como poderemos nos indignar com problemas de magnitude maior?
Se estas perguntas não merecem respostas, sentemo-nos na praça para curtir o que sobrar, com certeza muito bonito, mas não será a mesma praça, as mesmas sombras, a mesma harmonia, será uma outra. Quem sabe, hoje, Olavo Bilac plantaria uma outra árvore e dedicaria a ela esta estrofe  de seu soneto “Velhas Árvores”:
Olha estas velhas árvores, — mais belas,/ Do que as árvores mais moças, mais amigas,/Tanto mais belas quanto mais antigas,/ Vencedoras da idade e das procelas . . .


CONTEXTUALIZAÇÃO
            Ano de 2006. A Praça Cel. Pedro Osório, centro de Pelotas, começa  ser recuperada. Os passeios, bancos, banheiros e lago artificial são restaurados e as árvores são... arrancadas! Várias explicações foram dadas, mas não convenceram e lamentavelmente um número elevado árvores foram cortadas. Nós apenas podemos lamentar!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

UM TEMA PARA REFLEXÃO




 
NEIFF SATTE ALAM

Com toda a tecnologia atual; com o planeta reduzido a uma pequena ilha no universo, onde a um toque de teclado ou em uma tela pulamos de um continente a outro sem que se saia de casa, sobra tempo para filosofarmos sobre a origem e o destino da humanidade.
Nos séculos anteriores, com um horizonte de conquistas amplo, embora muitas vezes não percebido, cientistas, filósofos e artistas conseguiam fazer seu papel de busca de fantástica chance de sucesso. Hoje, com ampliação do conhecimento tecnológico e a redução do espaço para novidades filosóficas e artísticas, deparamo-nos com uma encruzilhada comportamental frente ao progresso e aos outros seres humanos. Paradoxalmente, reduzimos nossas conquistas humanísticas ao ampliarmos nosso horizonte tecnológico.
Há uma virtualidade exagerada nas relações interpessoais e uma escassez de presencialidade nestas relações. Os sites de relacionamento, que deveriam, pela lógica, aproximar as pessoas, está cada vez mais distanciando umas das outras.
As conversas de “roda de chimarrão” nas calçadas, ou embaixo de alguma árvore ou caramanchão foi reduzida a troca “emeils”, por mensagens no Orkut ou pelo Facebook, enfim, não filosafamos mais com os vizinhos, amigos e colegas.
A filosofia e a arte, para ficarmos apenas nestas atividades humanas, perderam brilho e importância na relação com o universo tecnológico, com isto a sociologia, antropologia e outras áreas do conhecimento se enfraqueceram, aumentou a hominização, mas diminuiu a humanização.
No entanto, a cultura impressa em nossa memória, associada a uma educação com um ensinar/aprender que se utilize desta tecnologia toda e não fique refém destas conquistas, poderá recolocar o humano e o social em um patamar que permita a retomada  de novos caminhos.  
A humanidade terá que optar por uma destas realidades: ser o pensamento que alimenta a máquina ou dobrar-se às formas de pensamento permitidos pela máquina.
O espaço da Filosofia, da Arte e da Sociologia tem que ser imediatamente recuperado, já nos bancos escolares da pré-escola, como forma de sustentabilidade cultural/educacional, pois o que fizermos do hoje com nossas crianças será o que terão de qualidade de vida, dignidade nas suas atividades laborais e respeito nas relações com o planeta e com os seus semelhantes.
É urgente associarmos as coisas boas do passado com as conquistas do futuro: este é o nosso presente, nossa realidade e o que fizermos dela será o que seremos no futuro...

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O MAU E O BOM JARDINEIRO

Neiff Satte Alam



Aquele jardim era para lá de bonito e organizado. Não havia uma distribuição simétrica entre as plantas, pois estavam perfeitamente distribuídas formando um equilíbrio próprio, era pura harmonia.

Duas árvores de porte médio, com florações em épocas diferentes, davam majestade ao ambiente; caminhos de pedregulhos ladeados por grama com tufos altos e escuros que separavam estes caminhos de uma grande variedade flores, tão abundantes quanto as cores que, aleatoriamente distribuídas, pareciam uma pintura impressionista de deixar Monet com inveja.

Em alguns dos canteiros, de forma irregular, apareciam pequenos lagos cujas plantas concorriam em beleza com as demais, além de refletirem sobre sua superfície as cores do céu, às vezes azul, outras colorido pelo entardecer ou amanhecer, nunca repetindo as cores e nuances dos dias anteriores.

Aves e insetos em uma concorrência de beleza e movimento, completavam a beleza daquele ambiente.

O jardineiro se orgulhava de seu feito, sentado em um tosco banco de madeira, deitava seu olhar por sobre as flores, por vezes cochilava para sonhar que ali estava o paraíso.

Por um tempo, não muito longo, o jardineiro teve que se afastar do jardim, um outro ocupou seu lugar, mas, sem os mesmos cuidados, sem a mesma experiência, permitiu que plantas invasoras, com suas artimanhas de envolvimento e gavinhas que, prendendo as tenras plantas desprotegidas, lentamente foram destruindo a harmonia daquele jardim; ratazanas, gralhas e outros predadores, iniciaram um processo de desarmonização e o jardim foi perdendo sua beleza, seu viço e as cores, antes alegres, passaram a ser símbolo de decadência.

Em um momento ou outro, em uma outra parte do antigo jardim, algumas das antigas plantas relutavam em voltar aos bons e belos tempos ... em vão, pois destruir é mais fácil de construir; fazer o feio é mais fácil que fazer o belo; desarmonizar é mais fácil que harmonizar.

Um dia o antigo jardineiro voltou e, ao ver o seu jardim, sem mudar a expressão de seu rosto, sem fazer nenhum movimento facial, com olhos estáticos, chorou, grossas lágrimas rolaram pela sua face, molharam o solo seco e maltratado ... Milagrosamente, duas sementes começaram a germinar e um novo jardim começou a se formar.

Assim também é na política onde os políticos são os jardineiros. Existem bons e maus políticos, existem bons e maus jardineiros. Mesmo que alguns políticos, administrando mal, destruam os jardins, sempre poderá surgir um bom político que recuperará o jardim, irrigará o solo, eliminará as plantas daninhas e não permitirá que predadores destruam sua obra...

sábado, 1 de outubro de 2011

Ricardo Gurvitz viajante e gourmet

Esta é uma homenagem ao meu amigo RICARDO GURVITZ,  que continua sua viagem pelas estrelas...


O MUNDO É UM MERCADO
Você comeu seu arroz hoje? Assim dizem os chineses ao nosso conhecido BOM DIA.


O BATALHÃO PRECURSOR (PARTE II) –Skopye, Macedônia


Falei de John, domingo passado, um tipo de abre-alas das equipes de filmagens em assuntos turísticos. Depois de tudo marcado por apenas um homem, os roteiristas teriam a sua oportunidade de entrar em cena. São eles que ditarão as seqüências que o/a artista central vai mostrar na tela. John disse que eles só saberiam como agir e apresentar no dia que chegassem. Muitas tomadas de cenas são preparadas para inserção futura no filme como se o artista estivesse por lá. Coisa que só acontecerá na nossa imaginação. Respostas são dadas para perguntas que ele somente fará muito tempo mais tarde. Comidas serão preparadas e ele só provará em uma outra data. Algumas entrevistas mais importantes esperarão para serem feitas por ele. Para uma única película, serão feitas não centenas de horas de filmagens, mas milhares. Muitas vezes, uma câmera ficará por horas e mais horas ligada, somente para recolher a imagem de uma borboleta ou de alguma onça. O pior que pode acontecer, muitas vezes, é quando vão recolher o material, e a grande surpresa é que foi tudo roubado. Nesse momento, o grupo que conversava com ele, levanta uma questão: se não consideraríamos impossível para pobres viventes, como nós, com uma pequena câmera, fazer um bom filme de viagem. Ele riu e respondeu que chegavam a filmar mais de três mil horas no conjunto de todas as máquinas, para sobrar no fim, um pedaço de filme que durasse apenas uns trinta minutos. Acho que todos éramos muito pretensiosos. Aqueles que possuíam câmera de filmagens as esconderam, pois, lá no fundo, todos esperariam um dia ganhar um Oscar pelo seu trabalho. Os profissionais, dependendo do lugar, chegavam a alugar helicópteros, gruas, carros, barcos e caminhões. Isso seria impossível para qualquer um de nós. John sorria e nos incentivava a continuar filmando e fotografando. Considerava ser nossa função inocular a virose de viagens em outras pessoas, além das nossas próprias famílias. Ele começou a sua vida profissional com esse tipo de filmes, os mesmos que nós sempre acabamos por encher o saco de nossos visitantes. Eu já abandonei as filmagens há muito tempo e sempre pergunto a todos aqueles que filmam as suas viagens: quantas vezes elas foram vistas depois? As respostas variam entre duas e três vezes. Raramente ultrapassam esses números. Ainda acrescentou que isso valia para fotografias. Informou que, de um único ponto, tiravam mais de quinhentas fotografias em diversos ângulos, dependendo da luminosidade e, principalmente, com a utilização de filtros, os quais os amadores nem desconfiam existir e, ainda por cima, a maquiagem que as fotografias sofrem. Pobres neófitos. Ninguém mostrou coragem de puxar as máquinas e mostrar alguma coisa, pois saberiam que este ato acarretaria ser julgados pela pesagem do coração (livro dos mortos dos egípcios) para saber da condição de sua obra. Naquele momento, eu já havia feito perto de duzentas fotografias em cinco ou seis cidades. Será que eu teria coragem de mostrá-las? Claro que não! Entretanto, queríamos mais: mais informações, mais ensinamentos, mais vivência. Uma pergunta foi feita por um francês: - o que faziam quando chegavam a um lugar e não parasse de chover? Grande pergunta! Uma das saídas era começarem as tomadas internas, tentar que a história pudesse ser contada mesmo com chuva. O que era muito difícil. Gravarem as entrevistas com uma pessoa no lugar do artista principal, para que depois, por trucagem, repetirem as perguntas que seriam colocadas no filme. Indagamos também sobre os possíveis perigos. Essa era uma parte importante da atuação de John. Precisava localizar as zonas de perigo e saber como poderiam ser contornadas. Veio a minha lembrança que, quando o cantor Mickel Jackson cantou na rocinha, alguém negociou com traficantes a segurança do astro; não foi a polícia que deu a devida proteção. Isso para ele era coisa comum. Vivia convicto de que para cada problema, haveria uma solução. Já havia passado por situações difíceis, complicadas e até ridículas. Já fora confundido com traficante, mafioso, comprador de animais selvagens até como um proxeneta. Então, agora se considerava um homem de mil vidas. Aqueles que ali estavam e o cercavam éramos todos viajantes e o entendíamos muito bem, pois já havíamos passado, em algum momento, por circunstâncias embaraçosas e enleadas. Acabávamos usando como saída a utilização de criatividade ou de um pouco mais de coragem do que a utilizada em uma viagem dirigida por um guia que, normalmente, não arrisca e nem pode arriscar, sob pena de ser demitido ou processado. Nós que viajamos por conta própria e risco, não tínhamos tanto cuidado; inclusive já tivemos o nosso tradicional episódio de comer algo que acabou em uma bela diarréia. E o pior, não poderíamos culpar alguém. Quantos de nós já havíamos nos metido em enrascadas, mas estávamos todos ali, ávidos de novas viagens e conhecimentos. Não havia, no nosso dicionário a palavra desistir. Cada um com seus interesses próprios. Falei a John dos contrastes de um Brasil, interiorano onde ainda se podia viajar com alguma tranqüilidade e do Brasil em que os riscos estão presentes, quase como na guerra no Iraque. Não foi nenhuma surpresa para ele. Sabia de tudo com detalhes, mesmo sem ter visitado o nosso país. O que mais chamou a sua atenção: o apagão aéreo. Já havia vivido grandes atrasos em sua vida, mas na maioria foram devidos a condições atmosféricas como: furacões, nevascas, aguaceiros, ventos muitos fortes e, uma vez, conviveu com um princípio de revolução. Mas sem explicação lógica, que convencesse, nunca conseguiu entender, assim como eu pensava. Para mim, tudo não passou de uma grande cafajestada e briga de pavões. Preferi, ao invés tentar explicar-lhe, fazer uma pergunta: já que viajava tanto, como curtia as férias? A resposta era um contra-senso para nós: - fico dentro de casa, com minha mulher e filhos sem querer saber de gente. O local mais longe que desejava ir era o supermercado. Eu estava, naquele momento, a mais de dez mil quilômetros de minha casa.





Essa é a minha opinião, depois de ter visitado cinqüenta países.