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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A HARMONIA DA PRAÇA

 
NEIFF SATTE ALAM

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...
Olavo Bilac, estrofe do soneto “Como a floresta secular”

            Em cem anos um ecossistema artificial e com finalidade de lazer poderá adquirir personalidade e se impor sobre idéias simplistas de harmonia projetada por olhares reducionistas e que, por este motivo, só enxergam por prismas lineares e não relacionais.
            Após cem anos um ecossistema artificial poderá ter sua estrutura, auto-organizada com propósitos de uma busca natural de equilíbrio, desestabilizada em razão de motivos de inexplicável incoerência.
            Esta é nossa praça Cel. Pedro Osório.
As árvores quando foram ali plantadas seriam obviamente frondosas e disputariam espaço com as suas vizinhas na medida em que fossem crescendo, aprofundando raízes, emitindo galhos, folhas e flores. As raízes destas árvores com certeza cresceriam, atingiriam limites imagináveis por quem as plantou. Aqueles que realizaram os plantios iniciais gostariam de viver o suficiente para poderem sentar a sombra destas árvores e observarem as mais diferentes espécies ali plantadas e que representam um pedaço de cada canto de nosso país, de nosso continente e até de outros continentes.
A fonte colocada ao centro deveria concorrer, e o faz, com as árvores que se ergueriam majestosas completando a harmonia daquele ambiente.
Após este plantio inicial, estudado e programado, outras árvores, por outros motivos e em razão de um mobilismo cultural natural, foram plantadas. Não estava, por exemplo, nos planos iniciais o plantio de uma muda de Pau-Brasil pelo poeta Olavo Bilac, mas nem por isto deveremos tirar esta árvore por não fazer parte do planejamento original da praça. Assim como esta árvore, outras foram plantadas pelos mais diferentes motivos que talvez ninguém mais recorde, mas estas árvores conseguem, pela sua presença, anonimamente dar vida a estes atos do passado.
A era da moto serra parece ter obscurecido a capacidade de ver a harmonia de um conjunto tão fantástico de flora e que abriga um número não menos fantástico de fauna. Não será uma mera conceituação de praça e de parque que servirá de argumento para derrubada de árvores na Praça Cel. Pedro Osório, mas, se este for o caso, que se mude para Parque, pois qualquer decreto legislativo poderá resolver isto, claro, sem considerar que está argumentação não salvou da moto serra inúmeras árvores no Parque Dom Antônio Zattera (ex- Júlio de Castilhos).
Talvez, em pouco tempo, ninguém mais lembre disto. Talvez nada disto escrito acima tenha relevância perto dos outros problemas que nos afligem, mas, se não soubermos enfrentar estes pequenos problemas de nossa cidade, como poderemos enfrentar os problemas maiores? Se não nos indignarmos com estas pequenas coisas como poderemos nos indignar com problemas de magnitude maior?
Se estas perguntas não merecem respostas, sentemo-nos na praça para curtir o que sobrar, com certeza muito bonito, mas não será a mesma praça, as mesmas sombras, a mesma harmonia, será uma outra. Quem sabe, hoje, Olavo Bilac plantaria uma outra árvore e dedicaria a ela esta estrofe  de seu soneto “Velhas Árvores”:
Olha estas velhas árvores, — mais belas,/ Do que as árvores mais moças, mais amigas,/Tanto mais belas quanto mais antigas,/ Vencedoras da idade e das procelas . . .


CONTEXTUALIZAÇÃO
            Ano de 2006. A Praça Cel. Pedro Osório, centro de Pelotas, começa  ser recuperada. Os passeios, bancos, banheiros e lago artificial são restaurados e as árvores são... arrancadas! Várias explicações foram dadas, mas não convenceram e lamentavelmente um número elevado árvores foram cortadas. Nós apenas podemos lamentar!