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sábado, 10 de setembro de 2011

A primavera e suas metamorfoses

Neiff Satte Alam



Como são curiosos os sons que marcam cada momento de nossa vida. Sons que identificam locais, estações do ano, efemérides e cada acontecimento importante. Nos verões passados, lá pelos anos sessenta ou um pouco antes, a chegada do verão era anunciada com canto de grilos e coaxar de rãs que transformavam o anoitecer em uma verdadeira orquestra com ritmo próprio que, com um bafo morno dos ventos da estação, embalava nosso sono. O bater de asas das andorinhas que chegavam em bandos numerosos e os sons emitidos pelas rolinhas durante o amanhecer só eram sufocados pela estridente gritaria das caturritas que revoavam esfomeadas até as plantações de milho.

O homem que vendia picolés com sua carrocinha feita em casa, assim como os picolés, utilizavam uma buzina característica que, não sei como, parecia ser a utilizada por todos os “picoleteiros” do planeta e provocava uma algazarra na garotada e um desespero dos pais que tinham que desembolsar dinheiro para satisfazer a gula dos pequeninos.

Isto tudo era sinal de primavera em andamento e prenúncio do verão, melhor, das férias de verão. Detínhamo-nos em observar, nas árvores e jardins abundantes naquela época, insetos e pássaros que iam surgindo do nada, como se uma varinha mágica tivesse o poder de tocar em lagartas e ovos e dali tirarem estes animaizinhos em todo o esplendor da criação.

As lagartas, aprisionadas em seus casulos, lentamente se transformavam em borboletas que lentamente tiravam aquela roupagem feia e grosseira, desfaziam-se de fragmentos protetores de uma metamorfose prevista por sua genética milenar.

Todas estas lembranças e imagens me vieram a mente no momento em que vislumbrei prédios do centro da cidade, inicialmente prédios abandonados, cinzentos e em processo de deterioração – que mais pareciam lagartas envolvidas por tapumes grosseiros, mas resistentes e protetores que escondiam a metamorfose que se fazia acontecer em seu interior – o casulo da crisálida, finalmente, com a eliminação do tapume, surgem prédios majestosos como deveria ser na época em que foram construídos.

Assim, aos poucos, a cidade vai se reencontrando com o passado em uma metamorfose que deverá qualificar e melhorar neste prenúncio de primavera, concretamente uma época de transformações, mas firmemente alicerçada por um passado rico, encoberto, que aos poucos vai se livrando dos tapumes da baixa autoestima e alçando voo para o futuro.