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sexta-feira, 14 de novembro de 2008

ENSINAR MATEMÁTICA: UM DESAFIO CONSTANTE

Regina Al-Alam Elias (2005)


Ao se analisar o grande percentual de reprovação dos alunos em Matemática e, em especial os que chegam nas Universidades, não se pode perder de vista aspectos que, ao que parece, são fundamentais:
- São encontrados nas salas de aula, a cada ano, alunos inseridos em um sistema educacional repleto de deficiências de ordem política, estrutural, ambiental, má formação de professores, etc...
- Dentro deste contexto, a situação da Matemática é ainda agravada pelo fato de que os alunos, em número enorme, experimentaram fracasso nesta disciplina, oriundo do ensino desvinculado da realidade.
Nas salas de aula, os professores se deparam com a heterogeneidade de diversos tipos de alunos, as quais podem ser assim agrupadas:
1o grupo) Alunos bem dotados, de inteligência regular, estudiosos e que aproveitam bem o que lhes é transmitido, enriquecendo sua aprendizagem com suas próprias conclusões, pesquisas, estudos, etc...
2o grupo) Alunos menos inteligentes do que os do 1o grupo, não dotados de capacidades natas, com o ensino tão tradicionalmente abstrato quanto os que estão no primeiro grupo, porém que ficam com a pouca informação que recebem de alguns professores que encontram no seu caminho. São estudiosos, interessados e têm possibilidade de serem tão bons estudantes e profissionais quanto os que compõem o primeiro grupo.
3o grupo) Alunos que, inteligentes ou não, com capacidades bem ou mal desenvolvidas, não estudam, são malandros e não cumprem com o mínimo de seu dever e exigem todos os seus direitos.
Como seria lecionar aos três grupos?
Ensinar aos alunos do terceiro grupo é tarefa complicada, que muitas vezes não alcança resultados positivos, devido à complexidade das causas de tal comportamento. Cabe ao professor a ação conjunta com o grupo de professores de outras disciplinas e os serviços especializados das escolas para tentar ajudá-los a se inserir num dos outros dois grupos. Estes são os alunos que , muitas vezes, acabam sendo reprovados ou infreqüentes.
Ensinar aos alunos do primeiro grupo não apresenta maiores dificuldades, pois estes são alunos que aprendem "apesar" do professor, que estudam quase sozinhos, que pegam um livro e conseguem entender com facilidade o que está ali escrito. Eles aprendem sempre tudo. Quem já ultrapassou duas décadas de magistério pode afirmar que é muito fácil ensinar para esses alunos. No caso da Matemática, quando se inicia a mostrar ou demonstrar algum (ou qualquer um) dos itens do programa, tem-se a sensação de que aquele(s) aluno(s) "já ouviu(ram) falar nisto antes" pois ele(s) conclui(em) junto ou antes do próprio professor.
Oxalá só chegassem estes às mãos dos mestres...
Ensinar aos alunos do segundo grupo! Esta sim é uma tarefa árdua. São a maioria dos alunos. São os que precisam ser muito bem trabalhados em suas dificuldades iniciais, que precisam ser ajudados a sanar suas dúvidas e que, pelo esforço individual, sua vontade de vencer, vivendo em um país que se diz democrático, tem tanto direito quanto os outros, do primeiro grupo, de aprenderem, de vencerem, de serem bons alunos e, no futuro, bons profissionais. Há espaço para eles também.
Neste grupo encontram-se os alunos que querem aprender mas não conseguem se o professor não falar a linguagem deles. O professor precisa descer do seu pedestal, chegar até estes alunos, descobrir suas deficiências e saná-las sem culpar o professor das séries anteriores, "lavando" suas mãos e fugindo de suas verdadeiras responsabilidades .
Esta tarefa não é fácil. Nivelar os alunos menos privilegiados e, aparando as arestas, orientá-los na forma de estudar, ajudando-os a desenvolverem as potencialidades que eles possuem, colaborando para que eles avancem nos seus conhecimentos, esta sim é uma tarefa que exige alta competência técnica do professor. É aqui que o professor precisa de qualidades especiais para conseguir atingir estes alunos, que têm direito de aprender, pois não é justo que sejam colocados no nível dos que estão no terceiro grupo, rotulando-os de "incapazes" ou "casos perdidos".
Não basta para este professor ser profundo conhecedor da matéria que vai lecionar. Junto com a preocupação indispensável de aprofundar os conhecimentos na sua área, ele precisa preocupar-se com o modo de ensinar, de como transmitir seus conhecimentos a estes alunos classificados no segundo grupo.
O professor precisa chegar até este aluno e ajudá-lo a crescer. Ele precisa saber descobrir a falha, descobrir a dificuldade e, por mais elementar que ela seja, ter a capacidade de, sem ofender o aluno, saná-la. Não é o aluno que deve envergonhar-se de não lembrar, por exemplo, de uma fatoração ou de uma operação com frações, mas sim o professor que, diante desta lacuna do aluno, diante desta dificuldade elementar, coloca-se tão "acima" que não se permite ou não sabe, descer do seu alto conhecimento para atender e eliminar a dificuldade para continuar “dando o seu recado”.
Conseguir ensinar aos alunos que estão neste segundo grupo é que demonstra a capacidade de ser um bom professor.
Para isto é preciso vencer o medo de, ao tratar das dificuldades do aluno, perder o "controle da situação" pois é difícil ter sempre a resposta. Corre-se o risco de não ser mais o dono da verdade, exercendo o papel de aprender junto com o aluno.
Abre-se a possibilidade de "sair do programa" e isto exige do professor uma constante procura de soluções para problemas sempre novos, possibilitando assim um crescimento contínuo.
Conclusão: ser bom professor de bons alunos não tem grandes méritos. Até um pesquisador, não professor, um pensador ou um simples estudioso da matéria o consegue. Porém, ser bom professor de alunos cheios de deficiências (o que é a mais cristalina realidade) nem todos conseguem. Precisa garra, técnica, gosto pelo que faz, dedicação ao aluno, estudo de novas alternativas de trabalho e de avaliação, a cada nova turma que lhe é confiada.
Precisa metodologia apropriada a cada tipo de turma e de conteúdo.
Outra conclusão a que se pode chegar é que, quando o índice de reprovação em uma turma é muito elevado, o professor precisa avaliar as causas olhando para si mesmo e não, simplesmente, enquadrando todos os reprovados no terceiro grupo, todos os aprovados no primeiro grupo e lavando as mãos de suas responsabilidades com os do segundo grupo.
Cabe ao professor refazer seu trabalho para, nos próximos anos, procurar ensinar aos alunos com maior deficiência, sem baixar o nível de exigência.
Ser bom professor não é passar quem não sabe e sim ensinar a todos os que querem aprender.
Caminhos existem, embora não seja uma tarefa fácil, pois há uma grande dificuldade de bibliografia que nos mostre como melhor ensinar, principalmente os conteúdos do 2o grau. É um desafio que exige criatividade, dedicação e coragem de enfrentar alguns colegas que consideram o trabalho com Metodologia do Ensino da Matemática algo procurado apenas por professores que não “sabem” trabalhar no ensino tradicional e por isto “fogem” para a área da Metodologia.
Quando se trabalha diretamente com professores de Matemática observa-se uma grande surpresa diante de alguns argumentos que podem ser utilizados para explicar o “porque” de algumas “regras” ou de alguns algoritmos, conteúdos inclusive das séries iniciais do 1o grau. Pode-se, ainda, perceber que os professores trabalham o conteúdo da 5a série porque o aluno precisará na 6a série, por exemplo, e assim sucessivamente. As justificativas da aplicação de algumas regras estão muitas vezes na vida diária do aluno e não na desvinculação de sua realidade. Muitas vezes se ouve o professor dizer que tal termo ou tal ação funciona na vida mas não funciona na Matemática, ou vale na Matemática mas na vida é diferente. Outras vezes, a justificativa do uso de uma regra está na aplicação de uma propriedade apresentada ao aluno nas primeiras séries do primeiro grau e o professor não aplica porque não está lá no seu livro didático.
O professor de Matemática não pode se preocupar apenas em ser coerente com as proposições já existentes e demonstradas ao longo dos anos. Precisa, além disto, ser também coerente com as exigências da época e do lugar.