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quarta-feira, 2 de março de 2011

A barata embaixo da porta.

NEIFF SATTE ALAM
Embaixo da porta, em uma minúscula fresta quase impossível de ser ultrapassada por qualquer ser vivo, duas antenas movimentavam-se suavemente como se estivessem estudando o ambiente e verificando se havia algum perigo no recinto.
Mantive-me quieto, evitando qualquer movimento ou ruído que pudesse assustar o animalzinho dono daquelas imensas antenas. Lentamente foi surgindo a cabeça e parte do corpo de uma barata, seus olhos facetados me encararam de forma diferente e incomum para um inseto asqueroso e que tanta ojeriza causa a nós humanos.
Para minha surpresa, o inseto queria estabelecer um diálogo, pois se tratava de uma barata de alta linhagem e muito preocupada com sua espécie. Em um primeiro momento achei que estava enlouquecendo: “ uma barata querer bater um papo”? Não, não estava louco, pois a barata, de uma forma que não estava bem clara, comunicava-se perfeitamente. O futuro de sua espécie estava ameaçado. A forma como nós, humanos, estávamos conduzindo as relações com a natureza eram uma garantia para que as baratas atingissem o controle do planeta.
Questionei pela lógica de tal afirmação e obtive uma resposta imediata: “os humanos estariam tentando modificar todo o quadro favorável ao destino das baratas ao se reunirem na Dinamarca”. “Em seus livros (pensei que elas só comiam os livros) havia várias descrições de uma espécie que surgiria para mudar a face do planeta e permitir condições de sustentabilidade à sua espécie”.
Não entendi! Pior, entendi! Havia a expectativa do surgimento de uma espécie que produziria toda uma mudança no planeta. Esta mudança implicaria em alterações climáticas, distribuição de grande quantidade de lixo, destruição de um grande número de espécies que eram inimigas das baratas e mais outras tantas alterações altamente vantajosas.
“Agora”, disse a barata, “estão tentando reverter este quadro altamente satisfatório; querem reduzir este maravilhoso e suculento lixo orgânico que serve tão eficazmente como alimento de nossas baratinhas, futuro do planeta, que começam a entender o seu papel de defensores perpétuos da vida na Terra”.
“Quantas baratas tiveram suas vidas ceifadas por solados de sapatos e chinelos; quantas foram intoxicadas ao se alimentarem de cuecas e meias infestadas deste tal de dinheiro, ali enfiados por humanos maquiavélicos (era uma barata que lia os livros antes de comê-los)”. Enfim, desfiou um rosário de motivos para mostrar todo o sofrimento esperando um mundo mais adequado, mais sujo, mais desequilibrado; um mundo cheio de casarões com porões esquecidos, com casebres insalubres nas favelas e outros tantos bolsões de miséria onde predominasse falta de saneamento básico e total desamparo das pessoas que, ou produziam lixo ou viviam do lixo produzido, mas de qualquer forma muito útil para as baratas.
Tentei mostrar que apesar de asquerosa e combatida por um sem número de inseticidas, era necessária, assim como os demais seres vivos para manter um saudável equilíbrio. Claro que, para isto, muitas teriam de morrer (não confessei que o objetivo foi sempre o extermínio delas e de quase todas as outras espécies animais e vegetais), pois cada espécie teria que manter populações estáveis e que não comprometessem as outras, uma mentira deslavada, pois todos os procedimentos humanos vão no sentido de eliminação de todos os seres que não interessam aos propósitos economicistas da espécie humana.
A barata fez um movimento que pareceu uma risada de deboche, fazendo-me crer que não acreditou em uma palavra, mas ciente que na Dinamarca nada iria acontecer de mais grave, o que a deixava tranquila. Para que não divulgasse minha ingenuidade às outras baratas, dei uma chinelada na linguaruda, juntei seus restos com uma pá de lixo e fiz de conta que tal diálogo nunca tinha acontecido