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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Fidelidade


Neiff Satte Alam



Era um cão perdigueiro, nem Pointer nem Setter, apenas perdigueiro. Os entendidos diziam que era apenas um vira-lata com pinta de perdigueiro, para nós um amigo presente em todos os momentos do dia. Recebeu o nome de Nero. Até hoje não sei de onde saiu a idéia do nome e nem sei se sabíamos algo sobre o dono do nome.

Eu, meu irmão e meu primo formávamos com o Nero um quarteto de respeitáveis travessuras. Naquele tempo, Vila Olimpo era um pequeno lugar, centro do mundo é bem verdade, pois era o mundo que conhecíamos.

A rua do Comércio, onde ficava nossa casa e o armazém de meu pai, era nosso campo de futebol. Dois cinamomos robustos eram as goleiras e o principal jogador, pois ficava sempre com a pequena bola de borracha entre as pernas e totalmente babada e perfurada ao final do jogo, era o Nero. Sua cola batia com imensa felicidade levantando poeira sob nosso olhar não menos feliz, indicando o fim do jogo.

Época de férias, só entrávamos em casa na hora de comer, tomar banho e dormir. Quando éramos chamados para o almoço, o primeiro a ouvir era o Nero, que corria imediatamente para a cozinha, embora fosse o último a comer, não antes de encarar o olhar de repreensão de meu pai, única pessoa a quem respeitava, e ficar deitado sobre um canto e batendo sua espessa cola, esperando a hora de seu almoço.

Tinha três inimigos: um cão vira-lata peludo que disputava território e algumas donzelas que por lá passavam; moscas em geral, era quando sua cola mais trabalhava; um gato preto que o provocava de cima do muro ou do telhado, já tinham tido alguns encontros mais diretos e ambos saíram com algumas lesões, nada perigosas, mas com certeza muito doloridas.

À hora de dormir, podem acreditar, era sempre às 18h, inverno ou verão; banho, janta e cama. No pátio, junto a nossa janela, o Nero, depois de uivos e resmungos de contrariedade, também iniciava sua noite agitada pelas provocações do gato preto que insistia em irritá-lo passeando no parreiral que cobria parte do pátio.

Amanhecia. Alguém deixava uma porta aberta e era o suficiente para sermos acordados pelo Nero de forma alegre, exageradamente alegre. Ninguém conseguia ficar na cama depois destas demonstrações de imensa alegria. Levantar, lavar a cara, tomar um café com leite (que vinha direto da vaca para o consumidor), escovar os dentes e ... rua.

Depois do almoço um pequeno descanso antes de ir para o indispensável banho nas águas mornas e limpas do Rio Piratini, que chamávamos simplesmente de “arroio”. O Nero somente entrava n’água depois de ser carinhosamente atirado. Era ensaboado e esfregado e depois ficava secando ao sol bem distante do “burburinho” formado pelas famílias que se aglomeravam às margens do rio. Depois de seco, escondia-se à sombra de algum maricá esperando a hora do retorno.

Uma noite, percebeu-se movimentos diferentes na casa, meu pai e minha mãe transitaram com outras pessoas, ouvimos gemidos do Nero, depois tudo silenciou. Parecia um sonho ruim e o sono nos venceu e seguimos dormindo.

Naquela manhã não fomos acordados pelo Nero; não jogamos futebol; não fomos ao banho no arroio; nossos dias ficaram tristes.

Ninguém falou no assunto. Ninguém perguntou. As lágrimas molharam o rosto de todos. O Nero foi uma importante experiência de convivência harmoniosa e nossa primeira experiência de perda.

Não importa o tempo que duram nossos amigos, importa é a eternidade da amizade que fica e as experiências que seguem enriquecendo os aprendizados permanentes de vida.