Powered By Blogger

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PROFESSOR, MUITO PRAZER!

Neiff Satte Alam

Seria uma surpresa para qualquer pessoa se, ao buscar um atendimento médico no Pronto Socorro, fosse atendido por um Agrônomo; ficaria muito estranho um veterinário executar um projeto arquitetônico; teríamos enorme dificuldade em aceitar um procedimento odontológico feito por um Engenheiro Civil, mas não observamos nenhuma estranheza ou contestação quando qualquer um dos profissionais acima fizesse o trabalho de Educador, sem ter feito um curso que os qualificasse para o desempenho eficiente como docente.
Parece que ser um bom orador, ter algum carisma e conhecer bem determinado assunto é o suficiente para ser considerado bom professor. Lamentamos informar que não é suficiente. Cada profissão possui características e peculiaridades que permitirão um desempenho satisfatório e a obtenção de resultados que só poderão ocorrer e serem avaliados adequadamente pelos respectivos profissionais.
Um dos componentes do fracasso escolar que se estabeleceu no país é exatamente este: baixa profissionalização dos professores, desde sua formação nas Universidades e Faculdades isoladas, nos cursos de formação de Professores.
Milhares de professores são lançados no mercado de trabalho sem condições para enfrentar as adversidades e novidades de um sistema educacional superado, principalmente pelo descaso dos governos ou por políticas equivocadas que investem com pesados recursos econômicos em estrutura física e ampliações, mas pouco investem no melhoramento dos recursos humanos que terão que por em movimento os mecanismos de formação e qualificação do ser humano.
Construção de competências; desenvolver uma prática reflexiva; contextualizar os temas centrais de determinada disciplina e estabelecer conexões para uma visão interdisciplinar em um primeiro momento e se chegar a uma inter ou transdisciplinaridade na sequência de uma ação de ensino-aprendizagem; avaliar a aprendizagem desde o primeiro momento considerando, inclusive, as diferenças entre os educandos; estabelecer mecanismos de recuperação de modo a evitar que diferentes capacidades no ato de aprender façam-nos perder alunos com capacidades diferenciadas, é o mínimo que se poderia esperar de um educador. Isto se aprende em cursos de formação de Professores, pois isto é o que se espera de um Professor.
O Professor não está conectado apenas com os seus alunos, mas também com outros profissionais especialistas na área de educação que, na mesma linha de raciocínio de que temos que ter o profissional certo no lugar certo, não pode ser substituído por pessoas sem qualificação, pois, caso isto ocorra, todo o sistema educacional e o processo desenvolvido neste sistema estarão irremediavelmente comprometidos. Dentro da atual realidade social, considerando um aumento dos conflitos familiares por várias causas, que não é o momento de analisar, é indispensável a presença destes especialistas em educação, como é o caso de Orientadores Educacionais, Supervisores Escolares, Psicopedagogos e Pedagogos.
Também aí há uma falha no sistema, pois, na maioria dos casos, há utilização de professores em desvio de função que, por mais boa vontade que tenham, não conseguirão, com algumas exceções, sucesso nesta empreitada.

ZÉ DA SILVA, CIDADÃO SEM COMPROMISSO...

NEIFF SATTE ALAM

"Quando a última árvore tiver sido derrubada, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe tiver sido pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come - Greenpeace"

E agora José? A máquina estancou, o homem parou e o tronco mutilado ri da ignorância do homem frente ao ser mutilado, mas firmemente enraizado que se insurge.
E agora José? A sequóia e a palmeira, vizinhas do tronco mutilado, antes uma árvore frondosa, soberana e dona de uma sombra fantástica, choram ao perceberem o sofrimento desta maravilhosa figueira.
E agora José? Apesar das motosserras, dos tratores com lâminas poderosas, que circulam sobre esteiras, como fazer para retirar rapidamente, antes que uma comoção maior ocorra, os restos desta vítima da inconseqüência?
E agora José? Como explicar, nas Escolas, às crianças, que começam a querer entender a importância da harmonia entre todos os seres vivos e destes com o ambiente não vivo (abiótico), as razões destas ações e as justificativas técnicas?
E agora José? Será que estão garantidas as demais, sem considerar dezenas de outras que já sucumbiram antes, da força das motosseras? Magnólias, pinheiros, jacarandás, sequóias, carvalhos, cedros, pau-brasil e tantas outras, quando serão marcadas para morrer? Pois algumas já estão!
E agora José? O que deverá acontecer com as outras praças e parques? Que determinações existem para a “harmonização” destes outros ambientes? Quem poderá impedir que outras árvores, em calçadas ou em pátios, pelos mesmos motivos alegados pelos organismos encarregados de tal façanha, não sejam retiradas?
E agora José? Como explicar às pessoas em geral que cada árvore plantada tem uma história? Conhecida ou não, a mão que plantou ou semeou ali deixou um pouco da sua história, um pouco do momento histórico e muito de sua energia. A energia emanada pelo trabalho e ação do homem se estende as suas ações, pois, quando vemos uma árvore plantada pelo nosso pai, mãe ou algum amigo temos, por esta árvore, um especial carinho, não só por ela, mas, pela pessoa que a plantou, isto a torna especial, diferente. Na Praça Cel. Pedro Osório, muitas árvores forma plantadas, cuidadas e sempre vistas com um especial carinho porque, com certeza, também têm uma história particular, mas que se integra ao conjunto das histórias das demais.
Rompida esta harmonia, todas as plantas da praça deverão buscar um novo equilíbrio, assim como a fauna ali existente. Quando mexemos algumas árvores por pura razão estética, mexemos com toda a harmonia do sistema do qual fazem parte. Será que esta nova harmonia estará dentro das expectativas dos responsáveis pelo fato? Como saber se, de tão perdidos que estamos, cortamos árvores onde não devíamos e, pior, quando plantamos o fazemos em lugares errados?
Pois é José, e agora?



Fotos: Ficus elástica (falsa seringueira), na praça Cel. Pedro Osório em Pelotas, em processo de mutilação da praça no dia 25 de maio de 2007.

sábado, 10 de outubro de 2009

CICLOS

Era um casebre no meio do nada, com um cômodo onde habitavam cinco ou seis pessoas. Antes da madrugada, o homem, levantando-se de sua cama comunitária sai para a noite fria, escura e envolvida por um nevoeiro denso. Percebe-se nu e, naquela nudez inesperada e estranha, entende que sem as vestes pobres e maltrapilhas é igual a todos os outros homens do planeta, mas, curiosamente, não sente frio. Caminha livre pelo campo, seus pés não sentem nenhuma dor ao pisar em espinhos e pedregulhos que encontra no caminho.
Lentamente o véu do nevoeiro começa a se desfazer e uma lua cheia, clara, muito clara, ilumina o corpo daquele homem. Novamente sente uma sensação de igualdade para como os demais, pois a mesma lua que o ilumina estará iluminando os outros homens tão livres quanto ele se sente naquele momento, embora se encontre na maior pobreza e abandono.
Assim como não sentia frio, não sentiu calor quando o sol apareceu no horizonte e iluminou aquela paisagem que tanto conhecia. Alguns animais surgiram para a primeira refeição do dia e o ruído de aves misturava-se ao ruído do vento em galhos de algumas árvores que quebravam a monotonia da paisagem.
Assim, ainda nu, retornou para sua casa, mas lá havia apenas tristeza, choro incontrolável, lamentações. Mulher e filhos gritavam em desespero pela visão de um homem morto sobre a cama. Era ele. A liberdade que sentia era a passagem para um novo mundo, um mundo onde havia redenção, liberdade e outros limites e horizontes para o homem que sofria da indiferença, do descaso e do abandono em que se encontra a maioria da humanidade. Chorou ao lado da mulher e dos filhos, mas suas lágrimas não caiam e sua voz não era ouvida, pois não mais fazia parte daquele plano de existência e dava seu adeus de forma muda em absoluta presença/ausência.
Não poderia mais voltar ao corpo que abandonara durante a noite, pois o manto da morte já havia se apropriado daquela matéria inerte, mas, em sua nova existência, poderia aperfeiçoar-se para retornar e um outro momento, neste ou em outro lugar qualquer recomeçaria sua existência a partir dos ensinamentos desta que deixava.
Estes pensamentos foram interrompidos, um outro nevoeiro, mais denso e morno o envolveu, mas continuava nu, seu corpo era pequeno e estava acalentado por braços que cheirava amor e carinho. Não tinha mais a mínima idéia de tempo. Sua fome foi saciada quando carinhosamente foi levado ao seio materno e o leite que sugava com força e vontade aqueceu seu organismo como uma fonte de energia mágica. Lentamente foi esquecendo da vida anterior e foi assumindo a nova existência. Muitos sorrisos e muita alegria envolviam aquele ambiente, estava, então, nascendo...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Síndrome de Burnout

Neiff Satte Alam
O Professor, antes decidido, enstusiasmado e com enorme vontade de dar o máximo de si para obter os melhores resultados de seu trabalho, profissionalismo associado a vocação, receita ideal para um excelente desempenho, repentinamente é surpreendido por um total desânimo. O comportamento do professor começa a se alterar, fica irritadiço, agressivo, desinteressado e totalmente desconcentrado. É um mau Professor? Está na profissão errada? Não! Este Professor está com todos os sintomas da Síndrome de Burnout.
A Síndrome de Burnout é o resultado de uma exaustão emocional provocada por estresse profissional. O termo Burnout é uma composição de burn=queima e out=exterior, sugerindo assim que a pessoa com esse tipo de estresse consome-se física e emocionalmente, passando a apresentar um comportamento agressivo e irritadiço. A autoconfiança, o humor e a concentração atingem índices de redução extremamente comprometedores e fazem com que o Professor pareça irresponsável e desinteressado por seu trabalho, mas na verdade está acometido de uma doença provocada por fatores externos e que não podem ser controlados por ele, pois a causa está em uma estrutura/conjuntura educacional, social e econômica que tem mais a ver com a inexistência de políticas públicas que determinem uma real prioridade à Educação. Naturalmente existem outros fatores que se associam a desvalorização do trabalho docente por parte dos agentes públicos, vejam, por exemplo, a reação à Lei do Piso Salarial Nacional aos Professores da Educação Básica por parte dos governantes. Estes outros fatores foram detectados por pesquisas feitas em Escolas como: políticas inadequadas da escola para casos de indisciplina; atitude e comportamento dos administradores; avaliação dos administradores e supervisores; atitude e comportamento de outros professores e profissionais; carga de trabalho excessiva; oportunidades de carreira pouco interessantes; baixo status da profissão de professor; falta de reconhecimento por uma boa aula ou por estar ensinando bem; alunos barulhentos e totalmente sem limites; lidar com os pais, entre outros. Esta mesma pesquisa identificou os sintomas que são percebidos imediantamente: sentimento de exaustão; sentimento de frustração; sentimento de incapacidade; carregar o estresse para casa; sentir-se culpado por não fazer o bastante; irritabilidade.
Desta forma, o mais importante elo neste complexo trabalho de transportar as crianças do hoje para o amanhã, de forma a transformá-las em cidadãos dignos, respeitados e em condições de enfrentar as adversidades da vida de forma positiva, vencendo as resistências naturais às suas conquistas individuais.
Preservar o Professor de doenças sociais, como é o caso da Sídrome de Burnout, é uma tarefa para os políticos, governantes e educacionistas bem intencionados e que não transformem a luta por uma educação de qualidade em plataformas demagógicas de governo em suas campanhas eleitorais.

sábado, 21 de março de 2009

CAFÉ AQUÁRIO: CENTRO DE DECISÕES E INDECISÕES POLÍTICAS

NEIFF SATTE ALAM

Ainda muito cedo. O sol ainda sonolento começa a iluminar e aquecer a cidade. Pesadas cortinas de metal, gemendo como se fossem bocejos, abrem-se. São as pálpebras dos olhos da cidade que se abrem. Vêem-se, então, os vidros escondidos por estas cortinas metálicas que mais parecem o cristalino do globo ocular.
O Café Aquário(s) abre suas portas.
Aos poucos os primeiros clientes, os mesmos de todos os dias, começam a reunião descontraída em que o teor primeiro das conversas é a “flauta” dos rubro-negros sobre pos áureo-cerúleos e vice-versa, agora se somando a estes os flautistas fantasmas do clube tricolor fragatense.
Médicos, advogados, professores, vendedores de jornais socializam suas opiniões políticas. Começam com a política local e aos poucos avançam na política nacional. Nada escapa. A realidade e a fofoca se misturam. A conversa descomprometida pode, repentinamente, perder o ar amistoso e sons mais irados podem ser ouvidos entre os barulhos das xícaras e colheres e sob o perfume do café quente adoçado com gotinhas pelos mais obesos e fartas colheres de açúcar pelos magros.
A manhã avança. Passos apressados para tomar ligeiramente um cafezinho, passos lentos para matar o tempo e curtir um boa conversa com amigos e conhecidos.
Através dos vidros pernas roliças e bronzeadas são enaltecidas pelos freqüentadores mais assíduos e uma pequena escapadela de olhar pelos novatos. Nada escapa. Próximo ao horário de almoço, os carros das esposas começam a circular recolhendo os maridos que teimam em continuar a conversa por menos importante que seja.
Engraxates, pedintes, vendedores de bilhetes, especialistas em política e sociologia, “experts” em futebol alternam-se durante o dia. A cidade é passada a limpo. O Prefeito vai bem ou mal? O Lula irá para um terceiro mandato ? A gasolina é mais cara em Pelotas do que no Iraque? Os Senadores estarão blindando o seu Presidente? Todas estas perguntas têm respostas (que nem sempre serão iguais) prontas por algum especialista.
Até então considerado o Clube do Bolinha de Pelotas, em certas horas do dia, em determinados dias (sábados pela manhã), é invadido por membros do sexo feminino. Corajosamente e determinadas a furar o bloqueio masculino, as mulheres chegam junto ao balcão. Certo ar de superioridade e de enfrentamento é detectado pelos onipresentes tomadores de café. Olhares verticais e horizontais buscam “escaniar” aquelas mulheres que ousam invadir o território masculino (decidido não se sabem por quem ou por que) onde a maioria dos homens pode dizer coisas uns aos outros sem a interferência das esposas e namoradas.
Alguns psicólogos e psiquiatras diriam diferente: “- alguns homens preferem um vidro separando-os do sexo feminino!”Outros preferem dizer: “- O Café não é o lugar para mulher....da gente!”
De qualquer forma, sem aprofundar a análise o Café Aquário(s) é um grande divã para análise psicológica em grupo, segundo os entendidos em Cafés.
Bem, voltemos às mulheres freqüentadoras do Café. Depois de sorverem em pequenos goles o cafezinho e deixarem as impressões labiais em suas bordas, lançam, algumas, um desafiador olhar de quem demarcou um território alheio, inibiu a caboclada da aldeia e mostrou quem manda.
A saída é a melhor parte. Com passos curtos e estudados, olhando sem olhar, por entre alas que se abrem, saem triunfalmente do recinto e ganham a calçada. O silêncio que tomou conta dos presentes logo passa a murmúrio. Os especialistas começam a falar sobre aquela visita que já se torna muito comum. As mulheres estão começando a conquistar o Café Aquário(s).
Particularmente entendo ser uma evolução cultural, pois não podemos entender um lugar perfeito sem a presença do sexo feminino, conquistada a duras penas e enfrentado décadas de machismo provinciano, embora algumas mulheres evitem passar na calçada do Café, o ambiente vai se tornando mais humano, mais polido e as conversas mais diversificadas.
Não seria correto, quando se fechassem as pálpebras da cidade (que correspondem as cortinas metálicas que cobrem as vidraças do Café) que os murmúrios ecoando pelas paredes daquele ambiente vazio não tivessem vozes femininas harmonizando-se com vozes masculinas e dando uma tonalidade especial aos novos tempos. Talvez por este motivo o cafezinho esteja mais saboroso...
Em razão do processo em andamento da conquista do Café pelas mulheres, os homens resolveram encostar-se nos caules das palmeiras, formarem pequenos grupos, discutirem política, futebol, desenvolverem teses importantes sobre a natureza humana, colocarem-se em dia com os principais acontecimentos da Câmara de Vereadores, aliás, muito rica em fatos novos.
As palmeiras não podem ficar alheias a estes acontecimentos todos. Este florestamento urbano não tem como finalidade produzir celulose ou madeira para móveis, mas são ouvintes mudos das “falas” ditas junto às sombras que, embora ainda reduzidas, prometem um futuro promissor.
O assunto caseiro ficou por conta da dança de cadeiras (não das cadeiras) no Paço Municipal. Algumas palmeiras ficaram revoltadas com o que tiveram que ouvir e não puderam nem evitar servirem de encosto aos cientistas políticos de plantão, apenas balançaram suas folhas em protesto.
A vantagem das palmeiras é que o pessoal não precisa esperar que abram as portas do Café – os madrugadores estão garantidos – e os boêmios poderão lá permanecer mesmo depois que suas cortinas tiverem dado boa noite a todos, afinal, “minha terra tem palmeiras...”, finalmente.
Ao final da tarde já não há mais espaço para ninguém. O café tem que se multiplicar por milagre para atender a demanda. Aos poucos todos vão embora, bem, quase todos. Alguns ficam teimosamente até as cortinas começarem a se fechar. A cidade quer dormir. As pesadas cortinas metálicas começam a se fechar como pálpebras gigantescas a cobrir os olhos desta cidade que inicia seu sono. Dentro do café somente ficam os murmúrios e os ecos das palavras que descreveram o dia da cidade e,entre sonhos e pesadelos, prepara-se para um novo dia...e para uma nova era! A era em que as mulheres conquistaram o Café.

O DEVER DA VERDADE

PAULO F. M. PACHECO
Professor aposentado.
Pelotas,RS


“Quem semeia ventos”...
A frase em destaque, publicada na Seção Cartas de um jornal, obviamente inconclusa, reclama o complemento: “Colhe tempestades”... Mas qual será a tempestade que se anuncia? Uma resposta fulminante nas urnas ou uma “suave” revolução cruenta? O íntegro governador Ildo Meneghethi, com a coragem cívica e a elegância mental que lhe eram peculiares, precedeu-nos em afirmar: “Sou contra todas as revoluções feitas neste país”.
Por sinal, a avalanche de mensagens conspiratórias, que correm pela Internet, não tem similar nos anais do hebetismo, roça à indelicadeza até para aqueles que têm uma posição de medianidade perfeita entre governo e oposição. Essas assacadilhas não prosperariam durante a ditadura, haja vista a presença do CENSOR, qual um corpo estranho, que se instalava na redação dos jornais, a impor silêncio ao único animal que fala: o homem.
Os sociólogos não podem ignorar, na condição de profetas do que já aconteceu, que o pior governo ainda é bem melhor do que a melhor das revoluções. Menos podem ainda, cotejar milhares de crimes de diversa tipificação, com 136 “desaparecimentos” ensejados por convicções políticas. Ademais, de onde promanam esses dados estatísticos? Como ignorarmos que todo fenômeno de patologia social semelha um iceberg, a esconder, no fundo das águas fundas, o real tamanho das atrocidades cometidas?
Comumente deflagradas por idealistas, as revoluções perdem o rumo e acabam devorando os próprios filhos. Causam mais danos psíquicos aos patrícios do que uma guerra externa, dando ensanchas, também, a que indivíduos de mau caráter, capazes das ações mais abomináveis se infiltrem na cadeia de comando.
No momento em que alguns povos, na ânsia de fazerem sua recopilação histórica, exumam louçaria ou recolhem restos de batalhas, cresce-nos a impressão de que nos resta cada vez menos tempo para que, na condição de testemunhas oculares, expliquemos o porquê das baionetas “caladas” terem se transformado em baionetas “falantes”. Testemunhas presenciais, basta assumirmos o compromisso com a verdade. Compromisso que é, sobretudo, com as gerações vindouras, para que não permaneçam tão alheias como a atual, que por desencanto ou falta de estímulo parece não se interessar por mais nada.
Já decorreram 45 anos daquele movimento de 1964, tempo suficiente para que nosso testemunho seja isento de paixões. “E depoimento é depoimento, quem quiser que o conteste e dê sua versão” – pontificou Carlos Lacerda.
Durante o período de exceção, presenciamos tanto vilanias quanto assomos de grandeza, que merecem ser relatados. Necessário ouvirmos a direita e a esquerda, afastarmos os facciosismos, para que não mais se diga que ninguém logrou mudar tanto o curso da História como os historiadores.

domingo, 25 de janeiro de 2009

O olhar das crianças

Neiff Satte Alam

Foguetes com ogivas destruidoras cruzaram, cruzam e ainda cruzarão por muito tempo os céus de todos os continentes. Ruídos ensurdecedores, fogo, estilhaços, prédios desmoronando e corpos sangrando, mutilados e muitos já sem vida. Fome, sede, perda da dignidade e perda da esperança é o resultado destas atrocidades cometidas por governos que se consideram acima do bem e do mal.
Populações inteiras são dizimadas ou colocadas na marginalidade do planeta, os judeus de ontem são os palestinos de hoje, o fanatismo religioso ultrapassa os limites do bom senso e da lógica, os céus de Cabul, de Bagdá, de Kosovo e de tantas outras cidades pelo mundo todo transformaram-se no inferno das bombas arremessadas com o destino certo de eliminar populações inteiras como se os seres humanos fossem peças descartáveis e substituíveis.
Uma “ciência sem rosto” a serviço de senhores inescrupulosos, que se dedicam a traçar o destino da humanidade pela força das armas, cria os instrumentos da morte e da dor. O conhecimento acumulado pela humanidade por séculos é capaz de causar mais sofrimento e dor do que resolver os problemas do homem como a fome e as doenças.
Sentamo-nos frente a um aparelho de televisão e vemos, em tempo real e com som local, a destruição lenta e progressiva de civilizações que formaram o nascedouro da civilização atual. As pessoas sendo imoladas como se um ritual de sacrifício humano fosse necessário para provar quem é mais forte ou quem tem o poder de decidir o destino da humanidade.
Mas tudo isto não se iguala ao sofrimento que se percebe nos olhos das crianças. Crianças judias, palestinas, afegãs, iraquianas e todas as demais. Em meio aos escombros, junto aos cadáveres dos pais e de seus irmãos, no frio da noite ou no calor de um sol por vezes implacável ou no colo de suas mães em desespero sempre se vê os inocentes olhos das crianças, olhos que não sabem mais chorar, olhos que transmitiram aos seus pequenos cérebros as imagens do terror, olhos que pedem ajuda, proteção e em desespero fazem orações que só seus pequenos coraçõezinhos poderão dizer, pois não se traduzem em palavras de nenhum idioma, mas que em qualquer idioma se poderá entender.
Crianças com seus olhos tristes, lábios selados e sem forças para chorar, que poderiam ter nascido em qualquer lugar do mundo, mas que selaram seus destinos em lugares transfigurados pela guerra insana, pelo domínio do fanatismo irracional e pela disputa entre quem tem mais força e poder. Crianças que são o patrimônio da humanidade. Quando os foguetes cruzarem os céus com suas ogivas mortíferas os destinos de milhões de crianças no mundo inteiro estará selado, pois estarão levando a morte do futuro, futuro representado pelas crianças de hoje, crianças de olhar triste de olhos que não conseguem mais chorar...