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sábado, 10 de outubro de 2009

CICLOS

Era um casebre no meio do nada, com um cômodo onde habitavam cinco ou seis pessoas. Antes da madrugada, o homem, levantando-se de sua cama comunitária sai para a noite fria, escura e envolvida por um nevoeiro denso. Percebe-se nu e, naquela nudez inesperada e estranha, entende que sem as vestes pobres e maltrapilhas é igual a todos os outros homens do planeta, mas, curiosamente, não sente frio. Caminha livre pelo campo, seus pés não sentem nenhuma dor ao pisar em espinhos e pedregulhos que encontra no caminho.
Lentamente o véu do nevoeiro começa a se desfazer e uma lua cheia, clara, muito clara, ilumina o corpo daquele homem. Novamente sente uma sensação de igualdade para como os demais, pois a mesma lua que o ilumina estará iluminando os outros homens tão livres quanto ele se sente naquele momento, embora se encontre na maior pobreza e abandono.
Assim como não sentia frio, não sentiu calor quando o sol apareceu no horizonte e iluminou aquela paisagem que tanto conhecia. Alguns animais surgiram para a primeira refeição do dia e o ruído de aves misturava-se ao ruído do vento em galhos de algumas árvores que quebravam a monotonia da paisagem.
Assim, ainda nu, retornou para sua casa, mas lá havia apenas tristeza, choro incontrolável, lamentações. Mulher e filhos gritavam em desespero pela visão de um homem morto sobre a cama. Era ele. A liberdade que sentia era a passagem para um novo mundo, um mundo onde havia redenção, liberdade e outros limites e horizontes para o homem que sofria da indiferença, do descaso e do abandono em que se encontra a maioria da humanidade. Chorou ao lado da mulher e dos filhos, mas suas lágrimas não caiam e sua voz não era ouvida, pois não mais fazia parte daquele plano de existência e dava seu adeus de forma muda em absoluta presença/ausência.
Não poderia mais voltar ao corpo que abandonara durante a noite, pois o manto da morte já havia se apropriado daquela matéria inerte, mas, em sua nova existência, poderia aperfeiçoar-se para retornar e um outro momento, neste ou em outro lugar qualquer recomeçaria sua existência a partir dos ensinamentos desta que deixava.
Estes pensamentos foram interrompidos, um outro nevoeiro, mais denso e morno o envolveu, mas continuava nu, seu corpo era pequeno e estava acalentado por braços que cheirava amor e carinho. Não tinha mais a mínima idéia de tempo. Sua fome foi saciada quando carinhosamente foi levado ao seio materno e o leite que sugava com força e vontade aqueceu seu organismo como uma fonte de energia mágica. Lentamente foi esquecendo da vida anterior e foi assumindo a nova existência. Muitos sorrisos e muita alegria envolviam aquele ambiente, estava, então, nascendo...