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segunda-feira, 22 de abril de 2013

PRIMEIRA AULA


Neiff Satte Alam

 

As minhas relações com os alunos e com o tempo, o tempo de vida, o tempo de trabalho, fazem-me retornar aos bancos escolares e, o mais importante, retornar no tempo. Minha infância passa pelos meus  olhos, pela minha mente. Sinto-me atemporal, pois o encontro entre o passado e o presente é apenas um jogo mental, mas é o que aprendemos nas nossas primeiras experiências como estudantes e que marca nossos caminhos.

              Sempre fico apreensivo em minhas primeiras aulas no início do ano letivo. Sinto-me de novo uma criança. São essas impressões que procuro registrar neste depoimento que é o retrato de um lapso de tempo, mas que dá  ritmo ao trabalho do ano.

Entrei. Caminhei firme, sem nervosismo, seguro, curioso...muito curioso. Trinta e poucos adolescentes, trinta e poucos pares de olhos, concentraram-se em mim. Trinta e seis anos de sala de aula, cinqüenta e cinco anos de vida e, pela milésima vez, senti aquela centelha de energia que plasmou aquele instante como se fosse o primeiro contato com alunos. Renasci.

            Em poucos segundos captei as mais estranhas e controvertidas mensagens não faladas, sensações de neurônio para neurônio (dos deles para os meus, dos meus para os deles), travamos uns diálogos mudos, infinitos na finitude daqueles segundos. Amamos-nos e nos odiamos, somos simpáticos e antipáticos, severos e permissivos. Nossos inconscientes traçaram as linhas de construção de nossa relação. Iniciou o ano letivo.

            Incrível, mas ainda não sei o que realmente passo de positivo aos meus alunos. Em certos momentos fico com a sensação de que “falo como mudo e eles me escutam como surdos”. Em outros momentos a nossa comunicação é quase perfeita, como se houvesse uma magia.

            Quando mentalizo a distância de idade que nos separa, quanto traço um paralelo entre as características sociais, políticas, econômicas que movimentavam o meu mundo quando tinha a idade daqueles jovens e uma cabeça como a deles, inconseqüente, corajosa (quase incendiária), irreverente, mas com limites bem definidos quanto aos papéis que todos desempenhávamos, sinto que podemos nos entender perfeitamente, mas que é a partir de mim que isto deve ocorrer, pois, entre nós, apenas eu posso viver em dois tempos diferentes simultaneamente: posso ser jovem enquanto lembrança e memória, voltar a me sentar nos bancos escolares, ver o professor entrar, seguro ou não, curioso ou não, talvez não soubesse determinar isto para a maioria deles ( sempre há exceções)  e posso ser adulto, maduro, com uma vivência larga que se traduz em experiência. Posso unir o ontem ao hoje. Posso contar histórias da história contada.

            Esta é a primeira aula. Dou-me conta, as vezes, de que segurei o tempo. Centenas de horas passaram-se em uma fração de segundo. Lembro da professora de Francês que me obrigava a cantar o hino da França, do Professor de Física que atormentava meus dias com intermináveis teoremas (decorei quase todos, não sei de nenhum), do Professor de Matemática (um deles lia belos poemas o outro....era eventual), as aulas de Biologia em que a professora ficava corada toda a vez que falava em sexo e isto fazia-nos suspirar...! Tinha a professora que me alfabetizou, eu tinha seis anos e me apaixonei por suas pernas, que pernas! E ela me ignorou, não quis nem namorar comigo...

 Acordo, olho meus alunos, pensam que meus pensamentos são para eles, mas não, estava me reabastecendo na minha juventude para poder entendê-los.

            Confesso, e peço segredo, que quando finalmente vou dirigir-lhes a palavra, não sei o que dizer. Devo me apresentar (bobagem já sou  mais dos que conhecido)? Quem sabe fazer uma frase de efeito? Dizer uma piada? Pedir que eles se apresentassem é uma boa. Ganha-se tempo para criar um momento inicial triunfal, inesquecível, mas aí toca a campainha, termina a aula e eu digo: - “até amanhã”!