Neiff Satte Alam
As minhas
relações com os alunos e com o tempo, o tempo de vida, o tempo de trabalho,
fazem-me retornar aos bancos escolares e, o mais importante, retornar no tempo.
Minha infância passa pelos meus olhos,
pela minha mente. Sinto-me atemporal, pois o encontro entre o passado e o
presente é apenas um jogo mental, mas é o que aprendemos nas nossas primeiras
experiências como estudantes e que marca nossos caminhos.
Sempre fico apreensivo em minhas
primeiras aulas no início do ano letivo. Sinto-me de novo uma criança. São
essas impressões que procuro registrar neste depoimento que é o retrato de um
lapso de tempo, mas que dá ritmo ao
trabalho do ano.
Entrei. Caminhei firme, sem nervosismo, seguro,
curioso...muito curioso. Trinta e poucos adolescentes, trinta e poucos pares de
olhos, concentraram-se em
mim. Trinta e seis anos de sala de aula, cinqüenta e cinco
anos de vida e, pela milésima vez, senti aquela centelha de energia que plasmou
aquele instante como se fosse o primeiro contato com alunos. Renasci.
Em poucos segundos captei as mais estranhas e
controvertidas mensagens não faladas, sensações de neurônio para neurônio (dos
deles para os meus, dos meus para os deles), travamos uns diálogos mudos,
infinitos na finitude daqueles segundos. Amamos-nos e nos odiamos, somos
simpáticos e antipáticos, severos e permissivos. Nossos inconscientes traçaram
as linhas de construção de nossa relação. Iniciou o ano letivo.
Incrível,
mas ainda não sei o que realmente passo de positivo aos meus alunos. Em certos
momentos fico com a sensação de que “falo como mudo e eles me escutam como
surdos”. Em outros momentos a nossa comunicação é quase perfeita, como se
houvesse uma magia.
Quando
mentalizo a distância de idade que nos separa, quanto traço um paralelo entre
as características sociais, políticas, econômicas que movimentavam o meu mundo
quando tinha a idade daqueles jovens e uma cabeça como a deles, inconseqüente,
corajosa (quase incendiária),
irreverente, mas com limites bem definidos quanto aos papéis que todos
desempenhávamos, sinto que podemos nos entender perfeitamente, mas que é a
partir de mim que isto deve ocorrer, pois, entre nós, apenas eu posso viver em
dois tempos diferentes simultaneamente: posso ser jovem enquanto lembrança e memória,
voltar a me sentar nos bancos escolares, ver o professor entrar, seguro ou não,
curioso ou não, talvez não soubesse determinar isto para a maioria deles ( sempre há exceções) e posso ser adulto, maduro, com uma vivência
larga que se traduz em
experiência. Posso unir o ontem ao hoje. Posso contar
histórias da história contada.
Esta
é a primeira aula. Dou-me conta, as vezes, de que segurei o tempo. Centenas de
horas passaram-se em uma fração de segundo. Lembro da professora de Francês que
me obrigava a cantar o hino da França, do Professor de Física que atormentava
meus dias com intermináveis teoremas (decorei
quase todos, não sei de nenhum), do Professor de Matemática (um deles lia belos poemas o outro....era
eventual), as aulas de Biologia em que a professora ficava corada toda a
vez que falava em sexo e isto fazia-nos suspirar...! Tinha a professora que me
alfabetizou, eu tinha seis anos e me apaixonei por suas pernas, que pernas! E
ela me ignorou, não quis nem namorar comigo...
Acordo, olho meus alunos, pensam que meus
pensamentos são para eles, mas não, estava me reabastecendo na minha juventude
para poder entendê-los.
Confesso,
e peço segredo, que quando finalmente vou dirigir-lhes a palavra, não sei o que
dizer. Devo me apresentar (bobagem já sou
mais dos que conhecido)? Quem sabe fazer uma frase de efeito? Dizer uma
piada? Pedir que eles se apresentassem é uma boa. Ganha-se tempo para criar um
momento inicial triunfal, inesquecível, mas aí toca a campainha, termina a aula
e eu digo: - “até amanhã”!