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domingo, 19 de fevereiro de 2012

EXPLORANDO OS SENTIDOS


Explorando os sentidos - ouvir

Neiff Satte Alam

“...Ouvir os sons do mundo é uma felicidade que somente os artistas recebem por nascimento. Os outros têm que aprender.” Rubem Alves

O som nasce do silêncio. O silêncio é a busca do som que, ao quebrá-lo, fará fluir um mundo novo, um mundo onde as lembranças poderão ser reforçadas. Os sons de nossa infância são um permanente mergulho no passado que dá sentido ao presente.

     Lá na Vila Olimpo, não no Olimpo grego, mas no de minha infância com diferentes figuras mitológicas, mas totalmente incrustado no meu HD biológico, recupero  cada som igual ou mesmo semelhante aos que circulam no presente, uma realidade permanente sempre sustentada pelas realidades passadas e transformada em alicerce para o futuro.

     O som das águas do Rio Piratini forçando passagem por entre os pilares de pedra de uma ponte de ferro eternizada pelas lembranças, repete-se sempre que ouço a força das águas da chuva forçando passagem por entre as pedras de calçamento das ruas de Pelotas e penetrando pelos estreitos espaços das bocas-de-lobo.

     Outro dia, em uma das ruas da Praia do Laranjal, ouvi o som do apito do vendedor de picolés, igual ao que ouvia na empoeirada Rua do Comércio, junto a Praça Piratini, em Vila Olimpo. Parecia uma parada no tempo. Momentos importantes da infância irrigaram meu cérebro, inclusive coisas que pensava não lembrar mais, mas que percebi que foram importantes na minha formação afetiva e agora preenchem o cérebro de substâncias que dão prazer, o prazer  do encontro das lembranças com a realidade, do ontem com o hoje, com as duas realidades transformadas em uma única...

     Os pardais, os grilos, as rãs e os cães que emitiam seus sons já desapareceram há muito tempo, mas os sons de seus descendentes fazem com que a lembrança me remeta às brincadeiras pelos pátios  interligados do pequeno vilarejo, universo de minha infância, caçando rãs, correndo ao lado dos cães que nos faziam companhia, colocando os grilos, gafanhotos e outros insetos em garrafas para fazer pequenos estudos que, com certeza, levaram-me a escolher a profissão de Biólogo e ministrar aulas de Biologia por mais de quarenta anos.

     Tinha também o som do vento ao balançar as folhas de um cinamomo que era nosso companheiro de brincadeiras, na calçada de minha casa. Um som que só não é mais importante do que o das tábuas do piso da sala de estar quando caminhávamos de tamanco de cepa de madeira. Até hoje sinto saudade de caminhar sobre este piso, pois é o indicativo de que havia ali um lar onde havia ensinamentos, regras, carinho e amor. Naquela peça, em momentos de leitura, no silêncio das tardes de inverno, ainda recordo o som das folhas dos livros de capa dura de Monteiro Lobato interrompido, muitas vezes, pelo apito do trem ao cruzar a ponte entre Vila Olimpo e Vila Cerrito.

     Hoje aumentei o som do rádio, pois uma canção de carnavais antigos estava a ser tocada. Era uma música do passado que irrigava de harmonia o presente, então pensei : “o que há com os sons dos carnavais de hoje, onde está a harmonia, a lógica das letras para que, no futuro, sejam as boas lembranças do passado?” Foi neste momento que entendi importante rever os sons do passado ... escrever sobre a importância deles ... irrigar o presente poluído de ruídos sem harmonia com lembranças que reforcem a necessidade de explorar a criatividade de nossas crianças respeitando o seu futuro, viabilizando os sons da biodiversidade, da boa música, ensinando-as a ouvir e distinguir, pela audição, o bom do ruim. Ouvir também é uma arte.  





















Explorando os sentidos – olfato

Neiff Satte Alam

          “...Quando colho hortelã, libero em  minha memória as mesas de quitutes dos almoços dominicais na casa de minha avó. Era sempre festa.”

Cheiros bons, cheiros ruins; lembranças boas, lembranças ruins. Todos com importante significado, pois é a soma de todos os odores que se formam as imagens, os sons e os sentimentos de cada momento, de todos os momentos.

     Em um pilão de pedra, artisticamente modelado, era macerada a carne que se transformaria em um delicioso quibe. As mãos de minha Avó Aziza seguravam com graça e firmeza o macerador. Ao misturar a hortelã com a carne, um cheiro característico tomava conta do ambiente. O aroma da hortelã predominava e acentuava nosso apetite. Não precisávamos comer, se quer ver o quibe cru para ter a exata noção do gosto. Quando colho hortelã, libero em  minha memória as mesas de quitutes dos almoços dominicais na casa de minha avó. Era sempre festa.

     Água Velva. Alguém lembra desta loção de pós-barba? Talvez a maioria dos pais dos leitores lembre o perfume característico e inconfundível deste produto, com certeza todos os filhos lembram-se de seus pais quando perfumes semelhantes aromatiza o ambiente.

     O olfato, como qualquer outro sentido, tem que ser educado. Temos que saber usar um perfume, pois é importante entendermos que perfumes masculinos servem para atrair as mulheres e perfumes femininos para atrair os homens, trocá-los pode dar confusão!

     O medo exala um cheiro característico  e é percebido pelos opositores. Serve para os animais racionais e para os irracionais; a paixão também tem seu cheiro, em geral direcionado, pois, como a flecha do Cupido, tem alvo próprio e determinado; A miséria, a dor e o infortúnio revelam-se pelo odor próprio, assim como a felicidade e o bem estar e, identificados, devemos nos responsabilizar pelas necessárias mudanças que busquem a igualdade entre as pessoas.

     As novas tecnologias que pretendem substituir os livros impressos por livros eletrônicos têm, no olfato, o seu mais poderoso inimigo. Os leitores habituais afirmam que uma das boas coisas na leitura, além da qualidade do texto, é sentir o “cheirinho” do papel. Alguns leitores chegam a não aceitar não serem os primeiros a folhar os livros, revistas e jornais, pois o cheiro do papel novo os atrai...

     Os ratos, ao sentirem o cheiro de seus predadores, mudam os caminhos habituais; os cães são atraídos pelo cheiro da fêmea quando esta está no cio e pronta a reproduzir; os lobos marcam seu território urinando em todos os obstáculos que o limitam, pois a urina de cada um tem um odor diferente; um tubarão pode ser atraído por sua vítima quando sentir o cheiro do sangue desta; o enólogo reconhece a qualidade do vinho ao cheirá-lo.

     Um sentido instintivo, pois que inato, mas que poderá ser aperfeiçoado pelo aprendizado e, junto com os demais sentidos, vai enriquecendo nosso universo sensorial, distinguindo-nos dos demais seres vivos, pois, diferentemente dos demais, damos sentido aos sentidos...