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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

RESUMO DE UMA HISTÓRIA



 Antônio Saraiva
Este resumo pertence ao livro “Joaquim Antônio Saraiva: Um Bravo Republicano”, Ed. UFPEL, Pelotas, 2006 .
No ir e vir dos arados puxados por juntas de bois aos poucos aquelas coxilhas iam mudando de cor, do amarelo e verde que mais predominava até então, agora se transformava em preto que era o tom da terra daquela região montanhosa. De longe se via e ouvia os lavradores que gritavam com seus animais para andarem mais depressa e lavrarem o máximo, enquanto tinha umidade na terra, da boa chuva que havia caído naqueles últimos dias.
Quanto mais rápido os animais andassem, mais a leiva de terra que era jogada pela pá do arado deitava, enterrando as flores de malmequer.No outro dia bem cedo alguém com uma grade puxada por uma parelha de cavalos gradeava a terra que fora lavrada, aproveitando o tempo antes que a mesma secasse.Meses de primavera, meses da flor amarela como eram conhecidos naquela região,mas os agricultores entretidos em preparar as lavouras para o milho e o feijão até esqueciam-se da falta do dinheiro que era comum nessa época do ano.
Era uma verdadeira paisagem para quem olhasse à distancia aquele cenário,começava no fim do mês de agosto e se estendia até os meses de novembro e dezembro as preparações das lavouras para esses plantios. Era uma época de muita fartura naqueles anos da década de sessenta, os agricultores não precisavam usar adubo ou pesticidas, as terras eram fortes e as plantações não eram atacadas por nenhuma praga.Uma estrada de lindeiros cruzava por entre as pequenas propriedades daqueles colonos,a maioria descendentes de portugueses e açorianos.
Seus antepassados tinham vindo dos países de origem no ano de 1737, desembarcaram de um navio no porto de Rio Grande e, ficaram por algum tempo morando nos arredores daquela cidadezinha marítima até que no ano de 1800 foi liberado um novo distrito que recebeu o nome de Canguçu, derivado do Tupi Guarani Canguçu, nome de uma onça pintada da cabeça grande que habitava nessa região de serras e montanhas.
Neste ano de 1800 estes filhos de Portugueses e Açorianos foram enviados ao recém li- berado distrito, para desbravarem essas terras virgens. Era uma região habitada por índios, Tapes e Tapuias, guaranizados e subordinados aos guaranis. Parte desse imenso então distrito formada por serras e montanhas, recebeu o nome de Serra dos Tapes em memória da tribo que ali habitava. Estes índios como tantos outros que já ouvimos falar preferiram lutar até a morte, do que deixar se escravizar. Os soldados imperiais com o respaldo destes portugueses e açorianos que receberiam as terras, varreram com quase todos os nativos machos, poupando as índias, com as quais muitos deles constituíram famílias.
Ouvem-se muitos relatos de índias que foram pegas a cachorro, para depois tornarem-se esposas de alguns destes invasores.
É uma história de muitas lutas e selvagerias, era a lei do mais forte, uma terra de ninguém, com um pouco de astúcia e coragem os mais espertos levavam vantagens recebendo maiores quantidade de terras e salários, atuando como coronéis de determinadas regiões..
Não é difícil imaginar um cenário assim, onde não existia lei, onde tinham que contar só com os fios de bigodes daquele povo quase selvagem, sem escolaridade, a instrução que recebiam era dos pais e o principal mandamento era que “desaforo não se leva pra casa”, o que podia se esperar de um povo assim.
Várias famílias foram enviadas para este novo distrito como desbravadores, recebendo uma sesmaria como recompensa..
Algumas destas famílias podem ser identificadas nos dias de hoje, pelos seus sobrenomes que deram nomes a zona onde habitaram, entre os quais temos o Passo do Saraiva, Coxilha dos Piegas e, Cerro dos Cunhas situados na Quarta Zona de Canguçu, isto é apenas um exemplo, mas se procurarmos vamos encontrar mais outras localidades com o nome de família.
Era um povo determinado com um objetivo em mente, fazer aquelas terras virgens produzirem, criando gado, cavalos, ovelhas e porcos; Plantando trigo, milho, feijão, etc.
Mas seria a pecuária a base da economia daqueles pioneiros, na vizinha cidade de Pelotas à pouco mais de 60 quilômetros o comercio do charque começava a se expandir no estado, com um retorno financeiro compensatório.
O charque produzido nas charqueadas situadas nas margens dos rios da cidade de Pelotas abastecia grandes províncias do país, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e nordeste, esta carne seca era usada na alimentação dos escravos. Com o passar dos anos, países vizinhos como o Uruguai e Argentina que também eram grandes produtores do charque tornaram-se fortes concorrentes pelo preço e qualidade do produto.
Nestes anos já de 1830 o governo do império nada fez para resolver a questão, motivo pelo qual que em 1835 uma parte do povo gaúcho revoltado com a situação levantaram-se em guerra contra o império implantando seu próprio governo, iniciando uma guerra que durou 10 anos, a Revolução Farroupilha.
Nesta guerra os gaúchos se separaram em dois grupos, os que eram a favor do império e os que eram contra, estes últimos eram os Farrapos. O novo distrito de Canguçu que ainda pertencia ao município de Piratini era um reduto Farroupilha em que a família Saraiva fazia parte. Entre os imperialistas estavam os Piegas e os Cunhas que eram famílias proprietárias de grande extensão de terra e gado, os soldados imperiais costumavam a acampar nestes campos com a autorização dos proprietários.
No final dos dez anos de combates, Duque de Caxias foi enviado pelo governo imperial como pacificador, conseguindo um acordo que os Farrapos assinaram em 1”de março de 1845, ficando sob o domínio do império, foi uma época de grandes perseguições contra os Farroupilhas por parte dessas famílias gaúchas que apoiavam o Imperador, fala-se em quarenta mil famílias de Farrapos que tenham debandado para o Uruguai e, entre essas famílias estavam os Saraivas.
Quarenta e oito anos depois o sonho desses gaúchos que defendiam a república se realizaria em todo o pais sem nenhuma resistência do Imperador D Pedro II, o império havia falido, mas agora teria que ser decidido qual o sistema de república regeria a nação, era um assunto pra os gaúchos resolverem e, em 1893 os gaúchos que defendiam uma república parlamentarista pegaram em armas novamente travando uma revolução de 2 anos que ceifou a vida de milhares de pessoas.
Nesta época destes acontecimentos muitos gaúchos que pertenciam as famílias dos Farrapos haviam retornado do Uruguai. Agora estavam envolvidos em um episódio diferente, o motivo não era mais lutar contra o império para estabelecer a República, mas qual o sistema de República, presidencialismo ou parlamentarismo, os Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto que foram os primeiros presidentes da República eram presidencialistas, aqui no estado o Dr. Júlio de Castilho foi empossado em 1892, defendendo o presidencialismo com unhas e dentes.
Entre os milhares de famílias “farrapas” que haviam debandado para o Uruguai perseguidos pelos imperialistas após á revolução Farroupilha, agora já haviam se multiplicado, pois já passara quase meio século, aqueles que eram apenas um rapazinho, agora tinham filhos e netos.
Manuel Saraiva do Amaral (neto) que nascera em 1836 na quarta zona de Canguçu, (Passo do saraiva) e sido registrado no cartório do Cerrito distrito que na época também pertencia a Piratini, foi um dos que retornou do Uruguai com a sua esposa, filhos e netos ainda pequenos.Manuel comprou uma fração de terras no primeiro distrito de Canguçu, Coxilha dos Campos e por ali ficou morando com a família.
Nos últimos anos do império houve muitas perseguições políticas e, os que defendiam o imperialismo não estavam contentes com a situação, pois sabiam que perderiam muitas regalias com a caída do império, tinham que a qualquer custo intimidar os republicanos que estavam crescendo cada vez mais com o retorno dos que voltavam do Uruguai, por isso houve muitas mortes e vandalismos que ficavam impunes.
Entre os perseguidos e jurados de morte estava Manuel Saraiva do Amaral que era neto do fundador do Passo do Saraiva e de quem herdara o nome, os perseguidores eram gente graúda, pois Manuel foi até as autoridades da vila registrar uma queixa dessa ameaça contra a sua vida e, as autoridades deram-lhe garantias dizendo-lhe, podes ficar tranquilo que nada de ruim vai lhe acontecer. Como estas autoridades poderiam dar esta garantia sem nenhuma ação policial, a menos que os criminosos fossem gente do meio deles.
Manuel vendeu um gado e precisou ir até Pelotas, cidade vizinha, ficava localizada a uns 100 quilômetros de distancia, iria depositar o dinheiro da venda de um gado no banco desta cidade, levou dois companheiros como prevenção, mas não foi o suficiente, porque num paradouro de carreteiros a uns 40 quilômetros antes de chegar na cidade, foram os três mortos em uma emboscada feita por uma quadrilha de uns 5 ou 6 homens bem armados.
As famílias das vitimas procuraram por justiça, mas nada foi feito a respeito, então o filho mais velho de Manuel, Joaquim Antônio fez a justiça com suas próprias mãos, vingando a morte do pai e tomando partido na revolução, lutando pelo o governo Júlio de Castilho que havia sido empossado legalmente.
Relata-se que muitos lutaram nesta revolução por motivos de vingança, foi uma das revoluções mais sangrentas das Américas, em dois anos ceifou a vida de mais de dez mil pessoas.

sábado, 12 de novembro de 2011

“Caim”, de Saramago

Neiff Satte Alam



Brincando com o tempo e colocando Caim no lombo de um jegue, Saramago faz uma interessante leitura do Velho Testamento. De fratricida a herói, como se fosse uma releitura das relações entre Dr.Frankenstein e sua criatura, Caim circula pelo tempo desafiando o Criador.

Imortal e atemporal, ele e seu jegue, avançam e recuam no tempo sempre dentro dos principais acontecimentos registrados no Velho Testamento. Foi ele, Caim, que na cena em que Abraão vai sacrificar seu filho Isaac a pedido de Deus, interferiu para que tal crime não ocorresse: “.... Então por que quiseste cortar-me a garganta como se eu fosse um borrego, perguntou Isaac, se não tivesse aparecido aquele homem para segurar-te o braço, estarias agora a levar um cadáver para casa.” Esta é uma pequena demonstração da aventura literária sobre um Caim aventureiro, nem bom, nem mau, apenas um emissário imortal que desafiou o Criador a quem culpa pela sua sorte, pois sempre entendeu Caim, segundo Saramago, que desde a ruptura de seus pais, Adão e Eva, com Deus até todos os desastres que atingiram a humanidade, a responsabilidade primeira seria Dele, que tudo pode!

O livro tem momentos de humor refinado e transcrição de cenas eróticas onde Caim é sempre o ator principal.

Como as viagens no tempo não eram somente em um sentido, em vários momentos o nosso personagem se viu no passado de um futuro já visitado. Assistiu a queda das muralhas de Jericó; construção e destruição da Torre de Babel, finalmente encontra-se com Noé e sua família, auxilia na construção da arca, assim como vários anjos. As relações entre Caim e os membros da família de Noé se constitui em uma trama de sexo e assassinatos que nos permite interpretar estas últimas cenas como uma transposição da realidade contemporânea para todo o caos imaginado pelo autor. Caim, o da história de Saramago, é a própria humanidade. Finalmente destrói toda a obra do Senhor Deus, pois, matando Noé e toda sua família, fica só e discutindo com o Criador:”...Depois Caim disse, agora já podes matar-me. Não posso, palavra de Deus não volta atrás, morrerás da tua natural morte na terra abandonada e as aves de rapina virão devorar-te a carne.” “...Sim, disse Caim, depois de Tu primeiro me haveres devorado o espírito.” A resposta de Deus não chegou a ser ouvida, também a fala seguinte de Caim se perdeu, o mais natural é que tenham argumentado um contra o outro uma vez e muitas, a única coisa que se sabe de ciência certa é que continuaram a discutir e que a discutir estão ainda...”

Querem saber mais desta aventura literária e, mais importante, interpretá-la ao sabor de sua vontade, como fez Saramago com o Velho Testamento? Leiam o livro e continuem a discussão, sem medo e sem tempo...