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sábado, 21 de março de 2009

CAFÉ AQUÁRIO: CENTRO DE DECISÕES E INDECISÕES POLÍTICAS

NEIFF SATTE ALAM

Ainda muito cedo. O sol ainda sonolento começa a iluminar e aquecer a cidade. Pesadas cortinas de metal, gemendo como se fossem bocejos, abrem-se. São as pálpebras dos olhos da cidade que se abrem. Vêem-se, então, os vidros escondidos por estas cortinas metálicas que mais parecem o cristalino do globo ocular.
O Café Aquário(s) abre suas portas.
Aos poucos os primeiros clientes, os mesmos de todos os dias, começam a reunião descontraída em que o teor primeiro das conversas é a “flauta” dos rubro-negros sobre pos áureo-cerúleos e vice-versa, agora se somando a estes os flautistas fantasmas do clube tricolor fragatense.
Médicos, advogados, professores, vendedores de jornais socializam suas opiniões políticas. Começam com a política local e aos poucos avançam na política nacional. Nada escapa. A realidade e a fofoca se misturam. A conversa descomprometida pode, repentinamente, perder o ar amistoso e sons mais irados podem ser ouvidos entre os barulhos das xícaras e colheres e sob o perfume do café quente adoçado com gotinhas pelos mais obesos e fartas colheres de açúcar pelos magros.
A manhã avança. Passos apressados para tomar ligeiramente um cafezinho, passos lentos para matar o tempo e curtir um boa conversa com amigos e conhecidos.
Através dos vidros pernas roliças e bronzeadas são enaltecidas pelos freqüentadores mais assíduos e uma pequena escapadela de olhar pelos novatos. Nada escapa. Próximo ao horário de almoço, os carros das esposas começam a circular recolhendo os maridos que teimam em continuar a conversa por menos importante que seja.
Engraxates, pedintes, vendedores de bilhetes, especialistas em política e sociologia, “experts” em futebol alternam-se durante o dia. A cidade é passada a limpo. O Prefeito vai bem ou mal? O Lula irá para um terceiro mandato ? A gasolina é mais cara em Pelotas do que no Iraque? Os Senadores estarão blindando o seu Presidente? Todas estas perguntas têm respostas (que nem sempre serão iguais) prontas por algum especialista.
Até então considerado o Clube do Bolinha de Pelotas, em certas horas do dia, em determinados dias (sábados pela manhã), é invadido por membros do sexo feminino. Corajosamente e determinadas a furar o bloqueio masculino, as mulheres chegam junto ao balcão. Certo ar de superioridade e de enfrentamento é detectado pelos onipresentes tomadores de café. Olhares verticais e horizontais buscam “escaniar” aquelas mulheres que ousam invadir o território masculino (decidido não se sabem por quem ou por que) onde a maioria dos homens pode dizer coisas uns aos outros sem a interferência das esposas e namoradas.
Alguns psicólogos e psiquiatras diriam diferente: “- alguns homens preferem um vidro separando-os do sexo feminino!”Outros preferem dizer: “- O Café não é o lugar para mulher....da gente!”
De qualquer forma, sem aprofundar a análise o Café Aquário(s) é um grande divã para análise psicológica em grupo, segundo os entendidos em Cafés.
Bem, voltemos às mulheres freqüentadoras do Café. Depois de sorverem em pequenos goles o cafezinho e deixarem as impressões labiais em suas bordas, lançam, algumas, um desafiador olhar de quem demarcou um território alheio, inibiu a caboclada da aldeia e mostrou quem manda.
A saída é a melhor parte. Com passos curtos e estudados, olhando sem olhar, por entre alas que se abrem, saem triunfalmente do recinto e ganham a calçada. O silêncio que tomou conta dos presentes logo passa a murmúrio. Os especialistas começam a falar sobre aquela visita que já se torna muito comum. As mulheres estão começando a conquistar o Café Aquário(s).
Particularmente entendo ser uma evolução cultural, pois não podemos entender um lugar perfeito sem a presença do sexo feminino, conquistada a duras penas e enfrentado décadas de machismo provinciano, embora algumas mulheres evitem passar na calçada do Café, o ambiente vai se tornando mais humano, mais polido e as conversas mais diversificadas.
Não seria correto, quando se fechassem as pálpebras da cidade (que correspondem as cortinas metálicas que cobrem as vidraças do Café) que os murmúrios ecoando pelas paredes daquele ambiente vazio não tivessem vozes femininas harmonizando-se com vozes masculinas e dando uma tonalidade especial aos novos tempos. Talvez por este motivo o cafezinho esteja mais saboroso...
Em razão do processo em andamento da conquista do Café pelas mulheres, os homens resolveram encostar-se nos caules das palmeiras, formarem pequenos grupos, discutirem política, futebol, desenvolverem teses importantes sobre a natureza humana, colocarem-se em dia com os principais acontecimentos da Câmara de Vereadores, aliás, muito rica em fatos novos.
As palmeiras não podem ficar alheias a estes acontecimentos todos. Este florestamento urbano não tem como finalidade produzir celulose ou madeira para móveis, mas são ouvintes mudos das “falas” ditas junto às sombras que, embora ainda reduzidas, prometem um futuro promissor.
O assunto caseiro ficou por conta da dança de cadeiras (não das cadeiras) no Paço Municipal. Algumas palmeiras ficaram revoltadas com o que tiveram que ouvir e não puderam nem evitar servirem de encosto aos cientistas políticos de plantão, apenas balançaram suas folhas em protesto.
A vantagem das palmeiras é que o pessoal não precisa esperar que abram as portas do Café – os madrugadores estão garantidos – e os boêmios poderão lá permanecer mesmo depois que suas cortinas tiverem dado boa noite a todos, afinal, “minha terra tem palmeiras...”, finalmente.
Ao final da tarde já não há mais espaço para ninguém. O café tem que se multiplicar por milagre para atender a demanda. Aos poucos todos vão embora, bem, quase todos. Alguns ficam teimosamente até as cortinas começarem a se fechar. A cidade quer dormir. As pesadas cortinas metálicas começam a se fechar como pálpebras gigantescas a cobrir os olhos desta cidade que inicia seu sono. Dentro do café somente ficam os murmúrios e os ecos das palavras que descreveram o dia da cidade e,entre sonhos e pesadelos, prepara-se para um novo dia...e para uma nova era! A era em que as mulheres conquistaram o Café.

O DEVER DA VERDADE

PAULO F. M. PACHECO
Professor aposentado.
Pelotas,RS


“Quem semeia ventos”...
A frase em destaque, publicada na Seção Cartas de um jornal, obviamente inconclusa, reclama o complemento: “Colhe tempestades”... Mas qual será a tempestade que se anuncia? Uma resposta fulminante nas urnas ou uma “suave” revolução cruenta? O íntegro governador Ildo Meneghethi, com a coragem cívica e a elegância mental que lhe eram peculiares, precedeu-nos em afirmar: “Sou contra todas as revoluções feitas neste país”.
Por sinal, a avalanche de mensagens conspiratórias, que correm pela Internet, não tem similar nos anais do hebetismo, roça à indelicadeza até para aqueles que têm uma posição de medianidade perfeita entre governo e oposição. Essas assacadilhas não prosperariam durante a ditadura, haja vista a presença do CENSOR, qual um corpo estranho, que se instalava na redação dos jornais, a impor silêncio ao único animal que fala: o homem.
Os sociólogos não podem ignorar, na condição de profetas do que já aconteceu, que o pior governo ainda é bem melhor do que a melhor das revoluções. Menos podem ainda, cotejar milhares de crimes de diversa tipificação, com 136 “desaparecimentos” ensejados por convicções políticas. Ademais, de onde promanam esses dados estatísticos? Como ignorarmos que todo fenômeno de patologia social semelha um iceberg, a esconder, no fundo das águas fundas, o real tamanho das atrocidades cometidas?
Comumente deflagradas por idealistas, as revoluções perdem o rumo e acabam devorando os próprios filhos. Causam mais danos psíquicos aos patrícios do que uma guerra externa, dando ensanchas, também, a que indivíduos de mau caráter, capazes das ações mais abomináveis se infiltrem na cadeia de comando.
No momento em que alguns povos, na ânsia de fazerem sua recopilação histórica, exumam louçaria ou recolhem restos de batalhas, cresce-nos a impressão de que nos resta cada vez menos tempo para que, na condição de testemunhas oculares, expliquemos o porquê das baionetas “caladas” terem se transformado em baionetas “falantes”. Testemunhas presenciais, basta assumirmos o compromisso com a verdade. Compromisso que é, sobretudo, com as gerações vindouras, para que não permaneçam tão alheias como a atual, que por desencanto ou falta de estímulo parece não se interessar por mais nada.
Já decorreram 45 anos daquele movimento de 1964, tempo suficiente para que nosso testemunho seja isento de paixões. “E depoimento é depoimento, quem quiser que o conteste e dê sua versão” – pontificou Carlos Lacerda.
Durante o período de exceção, presenciamos tanto vilanias quanto assomos de grandeza, que merecem ser relatados. Necessário ouvirmos a direita e a esquerda, afastarmos os facciosismos, para que não mais se diga que ninguém logrou mudar tanto o curso da História como os historiadores.