Não
era bem um bar como qualquer outro. Ficava na zona rural, mas muito perto da
estrada de entrada da cidade. O dono, um sujeito gordo, baixo, de cabelos ralos
e muito claros, quase brancos e com um forte sotaque estrangeiro – acho que pomerano, cuidava do lugar,
principalmente da gaveta do dinheiro, supostamente o caixa do estabelecimento.
Com a pele tão clara que ficava com pequenas veias dando uma coloração azulada,
era apelidado de SMURF. Claro que o apelido não era de conhecimento dele.
A
proximidade da cidade fazia com que os freqüentadores se diversificassem entre
pessoal da zona rural que trabalhava na cidade ou morava nas proximidades e o
pessoal da cidade que trabalhava no interior do município.
Em
uma mesa de madeira talhada a enxó e tão velha quanto o dono do bar, sentavam-se três
mulheres que com seus olhos de águia pareciam absorver todas as imagens de
pessoas que entravam e saiam. O prazer das madames era achar algum defeito na
vida daquelas pessoas, algumas conhecidas, outras não, mas todas alvo das
fofocas e maledicências ali desenvolvidas com a habilidade de quem domina o
jogo da maldade.
Em
uma mesa próxima, solitário, mas atento a conversa das três gralhas, um
apontador de jogo do bicho, um sujeito alto, nem gordo nem magro, mas muito
desengonçado, que parecia ter saído da história dos smurfs, escrevia o panfleto
semanal do bar, muito lido, não pela qualidade do material, mas pelas maldades,
impropérios e outras bobagens que revelavam um certo sadomasoquismo, já
impossível de ser tratado por qualquer psiquiatra honesto, pois tratava-se de
um caso incurável.
Nos
outros locais do bar, várias mesas eram ocupadas por pessoas que se divertiam
ao final da tarde, alguns eram professores de uma escola próxima e curtiam o
final de expediente naquele local. O apontador de jogo do bicho, segundo dizem,
tinha sido secretário daquela escola e havia sido dispensado do serviço pela
sua inapetência ao trabalho e de ser “arranjador de confusão”. Talvez por este
motivo que a maior parte de seus escritos fosse para desabonar os ex-colegas
que não tinham nenhum agrado em manter conversa com o sujeito, mas não o
rejeitavam de forma ostensiva, pois eram educados e tinham “uma certa piedade”
pelo seu comportamento doentio.
Às
vezes, quando a turma mais descontraída estava fazendo farra no bar, faziam
aviões de papel e atiravam nos demais fregueses, todos muito conhecidos, menos
o sujeito que, escrevendo suas maldades, ficavam absorto em seus pensamentos,
levando vez por outra um avião de papel na cabeça.
Um
dia, lá pelas seis horas da tarde, uma tempestade se avizinhando pelas bandas
do sul e contrastando com o céu encoberto por pesadas nuvens, um pequeno avião,
destes que jogam inseticida nas lavouras, lançou-se sobre o bar do “Smurf”. A
turma que se divertia com seus aviões de papel, vendo que o avião de verdade se
aproximava rapidamente do bar, começou a gritar para que todos fugissem: “-
cuidado com o avião!!!. O pseudoescritor achando que era mais uma brincadeira,
não deu importância aos avisos e ficou tranquilamente sentado... A explosão foi
ouvida, segundo alguns, no centro da
cidade. Nada sobrou do homem, sua cabeça, dizem, foi encontrada boiando em uma
sanga, pois o interior estava totalmente vazio, como se ali nunca tivesse
existido um cérebro.O homem que a encontrou, dirigindo- se a um amigo, disse: “-Bem diz o ditado que
cabeça vazia é a oficina do diabo!”